** SEMINÁRIO**
Conforme estudado anteriormente, o processo da conquista das Américas se deu por imposição de domínio sobre as populações por parte dos espanhóis, e este domínio foi predominantemente marcado pela violência caracterizada por fatores desestruturantes como a espada, a cruz e a fome, como elucida Romano (1995)
Houve resistência por parte dos ameríndios e, apesar do genocídio os índios sobreviveram física e culturalmente. A partir da conquista veio a colonização e esta se deu entre os europeus conquistadores e os indígenas sobreviventes do genocídio. Esse núcleo colonizador era formado por duas culturas, cada uma enraizada e fortificada em cada um de seus grupos, porém suscetíveis a influenciar e a sofrer influências diante desse convívio obrigatório inserido no processo de colonização.
Cada grupo se vê forçado a lutar pela manutenção de seus costumes, culturas religiosas, econômicas, sociais, morais e políticas, mas a mescla com cada uma das outras culturas é inevitável, seja pela imposição dos conquistadores ou pelo convívio social.
Os indígenas das Américas constituíam civilizações antiqüíssimas, cujas sociedades eram dotadas de normas e ritos em todas as esferas da existência. Um povo que vivia em contato com o sagrado, isolados do resto do mundo, viu suas mulheres serem profanadas, seus deuses aniquilados, dando lugar ao novo demônio trazido nas caravelas, e assistiram assim o ruir de sua civilização e o aparecimento de outra.
Espanhóis e indígenas, em decorrência da conquista e da colonização forçosamente tiveram abalados os seus costumes e tiveram que se impor constantemente esforços para adaptação e interpretação. Entre invenções de modos de convívio e de soluções de sobrevivência, a improvisação venceu a norma e os costumes. Começa a surgir daí, o processo de ocidentalização. Neste convívio surge a mestiçagem, tanto biológica, quanto de práticas e crenças.
Os europeus, abusando da sua qualidade de conquistador mantinham com as índias relações quase sempre violentas. Assim, entre estupros, concubinagem e, mais raramente, casamentos, surgiu um novo tipo de população, os “mestiços”, os quais, a princípio, não possuíam lugar definido nem na sociedade espanhola nem na indígena.
Gruzinski (2001) usa o termo mestiçagem para definir um conceito sobre a identidade intermediária que se formava, e o termo hibridação para as misturas que aconteceram dentro da América.
Assim, as cidades que o europeu colonial fundava eram cidades européias em um mundo habitado por outros povos e com outra cultura. Falando do ciclo das fundações e da formação do Novo Mundo, Romano (1995) sintetiza: “Entre os resquícios do império cristão, esboçou-se o esquema de uma sociedade dividida entre conquistados e conquistadores...”.
Diante da violência imposta na conquista, os índios mudam sua estratégia de defesa para não perder sua condição ativa na sociedade. Simularam uma “submissão”, aceitando a evangelização para sobreviverem, forjando uma ocultação de sua cultura, dos seus costumes e a sua religião;”
Segundo Bruit (1995), “a única intenção dos índios foi esconder suas antigas tradições e crenças, mas foi justamente isso o que evitou a morte final de sua cultura e conteve uma absorção cultura hispânica”.
Com a dinâmica diária do convívio e da miscigenação foram envolvendo os colonizadores ao longo do tempo de uma maneira quase invisível, que ao invés de substituição cultural, formou-se uma nova sociedade chamada de hispano-indígena.
Culturalmente a mestiçagem ficou evidente pelas práticas sociais e religiosas percebidas já no período da colonização, e muitas mantidas ainda hoje. A mistura entre esses mundos se dá além do conceito biológico, interpenetrando o mundo mental dos envolvidos e criando a partir de então, a junção, ou melhor, uma justaposição, de cultura, religião, linguagem impregnando, assim, os ameríndios da segunda metade do século XVI dos elementos europeus e vice - versa.
Aby Warburg, citado por Gruzinski (2001), um dos pioneiros da historia da arte observou, durante uma missa um mural feito por indígenas e comentou: “Durante a missa, fiquei impressionado com o fato de que as paredes estavam cobertas de símbolos pagãos.” Observou também a influencia européia na vestimenta de algumas índias, as policromias no altar e nas imagens dos santos diante dos quais estas rezavam. Descobre um vinculo secreto entre essa cultura primitiva e a civilização do Renascimento.
Segundo Romano (1995) na atual Bolívia e no sul do Peru, a velha divindade e pagã Pacha-mama (a Terra-mãe) ainda permanece viva, mesmo se a assimilam à Virgem. No México, o culto da virgem de Guadalupe tem suas raízes no culto da deusa Tonatzin (Mãe dos deuses).
Resistindo as imposições dos espanhóis de várias maneiras, usando o silêncio e a mentira como defesa, queimando incensos para seus deuses usando uma erva que tinha significado simbólico, os índios enganavam os cristãos que pensavam que eles estavam adorando a Cristo. Os índios faziam as imagens de escultura da virgem para as igrejas cristãs, mas sempre buscando acrescentar algo que simbolizava a cultura indígena. – “pelas armas os bárbaros não podem ser movidos a crer, senão a fingir que crêem e que abraçam a fé cristã”. (Bruit, 1995).
Recusavam-se, ainda, a cultivar alimentos, e eram chamados de preguiçosos, mas seu propósito era matar de fome os colonizadores.
Praticavam a idolatria condenada pelos cristãos por meio de bruxarias, quando bebiam invocavam demônios, matavam animais em ritos, adivinhações, etc, para manter vivas suas tradições. Quando eram questionados se eram cristãos, segundo o texto um índio respondeu Quando eram questionados se eram cristãos, segundo o texto um índio respondeu: “sim senhor, eu já sou um pouquinho cristão, porque eu sei um pouquinho mentir; Amanhã eu saberei muito mentir e serei muito cristão” (Bruit, 1995).
Sobre a postura dos ameríndios diante da colonização, Bruit sintetiza “Os índios da América fundaram o que poderíamos chamar de cultura da recusa, encoberta pela simulação, e a transmitiram às gerações futuras por meio da mestiçagem biológica e cultural”.
Até bem pouco tempo a historiografia retratou os índios da América apenas pelo aspecto do genocídio e da vitimização. O Ocidente e raramente aborda o fenômeno da mistura, se ocupando mais dos movimentos nacionalistas, pelo nascimento das identidades, pelas relações de cultura popular e cultura erudita. As referências dos povos da América foram abandonadas por força das circunstâncias ou perdidas com a derrota, graças à chegada da era das conquistas.
Vimos, portanto, tratar-se de um extenso e denso tema, onde cabem muitas pesquisas e observações por parte dos historiadores para que se desfaça a nebulosa que permeia essa época cheia de detalhes tão relevantes, como o da mestiçagem, que nos possibilitará uma leitura mais próxima do real em relação ao surgimento desta nova relação, criada através da violência e que, apesar de terem sido “soldadas” uma a outra, permanecem estranhas entre si durantes muitos decênios.
Isto está bem representado nas palavras de Romano (1995): “Uma certa representação do universo é destruída, uma outra, nova, é imposta. E essa última carregará consigo, inevitavelmente, os fragmentos da que a havia precedido”.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRUIT, Hector H.. Bartolomé de as Casas e a simulação dos vencidos. Editora Unicamp, 1995.
GRUZINSKI, Serge.O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
ROMANO, Ruggiero.Os mecanismos da conquista colonial. São Paulo: Perspectiva, 1995.
ROMERO, José Luis.América Latina: as cidades e as idéias. Rio de janeiro: Editora UFRJ, 2004.
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