quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

*A Devassa da Devassa, *O Manto de Penélope, * A Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal – 1750-1808

Introdução

           A “Inconfidência Mineira” foi um movimento articulado pela elite brasileira da época (1788-9) de cunho separatista que buscava libertar o Brasil da exploração portuguesa.
Em 1788 o palco político de Minas Gerais preparava-se para encenar um dos capítulos mais importantes na formação da nação e da República do Brasil. Seus atores assumiam seus papeis dentro de um contexto complexo, um tanto nebuloso, que a vasta historiografia existente nos dias de hoje busca elucidar.
          Neste momento acontecia a Revolução Americana, que poderia sugerir que contariam com apoio estrangeiro, visto que alguns poucos contatos com o exterior aconteceram, mas o fato que não se comprova. Não há evidencias concretas de que os inconfidentes quisessem romper com o Antigo Regime e sim o mais provável que pretendessem reformas, já que muitos dos envolvidos na conspiração eram também senhores de escravos. Os ativistas do movimento eram militares, advogados, enfim intelectuais endividados e orientados pelo iluminismo. Todos viam na revolução uma maneira de por fim aos seus problemas financeiros, visto que a administração da colônia estava corrompida, e as exigências de Portugal geravam cada vez mais dívidas, as quais nunca eram possíveis de serem saldadas.
          Devido a uma política opressora da metrópole, que cobrava impostos já estabelecidos, a capitania mineira empobrecia ainda mais por não produzir como nos tempos de grande extração, gerando medo e insegurança nos habitantes da colônia e principalmente em Minas Gerais que acumulava dívidas em toneladas de ouro para Portugal.

          Um pequeno e seleto grupo da elite mineira começou a se reunir em Vila Rica e a planejar um golpe ou um motim na capitania contra o domínio português. Vários deles foram educados na Europa, e também por interesses pessoais intensificados, almejavam uma ruptura com a coroa portuguesa.
          É neste cenário que se encontram e articulam os autores Kenneth Maxwell e João Pinto Furtado, sendo que o primeiro propõe em seu livro a Devassa da Devassa, a visão de que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes sendo o único a ter sentença de morte decretada, esquartejado em execução pública, foi transformado num símbolo da Inconfidência pela própria ação da coroa foi transformado num herói nacional pela historiografia e a imprensa. Nos anos 90, surge uma reflexão mais crítica o que trouxe a luz novos trabalhos. Na ocasião das comemorações do bicentenário da Inconfidência e da morte de Tiradentes, iniciaram-se outras discussões reflexivas sobre a inserção desse herói no imaginário coletivo. Foi possível perceber novas possibilidades de leitura da história.
           Segundo o historiador Kenneth Maxwell, Tiradentes traria em si os componentes revolucionários e conceitos nativistas e indianistas, e desejaria de fato a independência da colônia. Maxwell faz um excelente trabalho de pesquisa do sobre a situação econômica e política da Colônia e de Portugal em meados do Século XVIII, quando eram necessárias que se efetivassem reformas, já que o Marques de Pombal havia se ocupado delas no intuito de tirar Portugal do atraso que se encontrava em relação às dinâmicas economias da Europa.
          Maxwell realizou suas pesquisas no Arquivo Histórico Ultramarino, o que trouxe uma renovação a historiografia conhecida, apontou novos pontos de observação a partir dos Autos da Devassa e demonstrou que a historiografia referente à Inconfidência Mineira pode ser renovada e assim, esclareceu um pouco mais a cena econômica e política daquele momento. Diz-nos que o levante tinha uma dimensão política formado pela oligarquia local, onde esta classe, preponderante por seu dinheiro e suas riquezas, queria se contrapor as ordens da coroa e não pagar o quinto, taxa ao que o rei, caso não recebesse o pagamento, o que há tempos não acontecia, mandaria instalar a derrama, que se trata de uma forma de coação contra os "homens-bons" (brancos e ricos) e implicava na penhora de seus bens, para que estes zelassem pela arrecadação dos quintos reais.



A Devassa da Devassa

          A conjuração foi coordenada por algumas pessoas de elite da capitania de Minas Gerais, tinham como estratégia de dar um golpe e tomar o poder local, assassinando o governador Visconde de Barbacena. Instigando um motim para inquietar a população de Vila Rica, isso com a conivência dos dragões e proclamar a independência. Essa era parte do plano, esperar a fixação da derrama para acertarem o dia da revolta. Todos os participantes tinham motivos pessoais para aderirem à revolta, pois eram: endividados, ameaçados de perder patrimônio, Oliveira Rolim com acusações de tráfico e apropriação indevida, acusados de extorsões e roubo, ambiciosos, e despeitado por não ter reconhecimento no trabalho, como no caso do alferes Silva Xavier.   
          Entre todos, Tiradentes era o maior propagandista da independência, sendo ele quem buscava simpatizantes para o movimento entre os comerciantes e o povo em geral, e certamente atraíram alguns “... o mais socialmente inseguro e o instrumento escolhido por uma elite abastada para uma revolução planejada” (Maxwell, p. 156).  Não se tem exatidão sobre quais eram os principais planos dos conjurados. Se eles propunham a independência de Minas Gerais ou a Independência do Brasil. Alguns queriam proclamar uma república, que teria a capital em São João Del Rei, planejavam criar uma universidade em Vila Rica e uma casa da Moeda, para controlar a emissão de dinheiro na capitania; entre outros propósitos, mas na verdade não tinham domínio, articulação, nem mesmo controle da situação em Vila Rica, na capitania de Minas Gerais, e muito menos na Colônia.
    A missão de elaborar a constituição do novo estado ficaria a cargo de Gonzaga, Antonio Tomás, Claudio Manoel da Costa, e o cônego Luiz Vieira, sendo estes os articuladores políticos da ruptura definitiva com a coroa portuguesa; e fariam a nova constituição inspirada na independência norte americana.
          Existiam apoiadores dessa conspiração, grupos distintos que tinham também interesses de rompimento com a coroa portuguesa, ativistas, ideólogos e interessados financeiramente, contratantes de diamantes e fiadores de contratantes ou ligados a estes, homens de prestígio da sociedade, mas devedores da fazenda. “A impressão que se tem é que esta proposta de um estado independente se apresentou, dentro de uma conjuntura crítica, como uma panacéia para devedores da coroa na capitania”. (Maxwell, p. 148).    Todos ligados por interesses econômicos. Também tinham ligações com alguns do Rio de Janeiro, local onde havia possibilidades de também acontecer o levante.
          A elite da sociedade estava tão alienada, não foi capaz de perceber que outras camadas intermediárias da população pudessem dar apoio ao processo de independência; ou os subestimaram, pensando assim ter um acesso mais fácil e rápido ao povo local, achando-os influenciáveis, e querendo com isso resolver seus problemas particulares e não de ordem idealista a ponto de buscar apoio decisivo para a revolta.
          Informados das causas da Revolução Americana, diante de seus maus governadores e altos tributos cobrados ao povo, aguçava a reflexão dos devedores da coroa, instigando-os rumo à revolta, que seria a salvação imediata aos que estavam ameaçados pela metrópole.
          O alferes Silva Xavier, em sua viagem ao Rio de Janeiro parece ter conseguido alguma fonte de recursos e apoio com negociantes ricos, seus clientes, que tinham interesses de liberdade de comércio, com intercâmbio direto com a Grã- Bretanha. Também pelo autoritarismo da coroa, que exigia da Colônia o comércio somente com a metrópole, Fechando as fábricas de manufaturas têxteis no Rio, proibido em 1785 a instalação de indústrias no Brasil e punindo com rigor os contrabandos, impondo aos produtos da metrópole com altos preços e eliminando a fabricação local.
          Os inconfidentes garantiram aos negociantes do Rio que honrariam os investimentos e o apoio após o levante. Já em São Paulo não tinham apoiadores expressivos como no Rio, e ficaram sem garantias.
          Existiam controvérsias entre os inconfidentes a respeito de vários projetos, como: a morte do governador, a libertação dos escravos, sobre os europeus que moravam na região, a bandeira da nova república, etc. Inclinados a fazer uma constituição com base no modelo norte americano, mas havia um desacordo com a democracia, outros espelhavam na administração de Pombal, mais uma vez os interesses pessoais ficaram em evidência, sem um ajustamento sobre o plano social, os inconfidentes eram tradicionais e não se pensavam em mudança social. Como iriam sobreviver? Sem mordomias? Sem escravos? O que imperava para eles era o poder político e econômico.
      Acreditavam que poderiam controlar com facilidade e manipular, de acordo com seus próprios interesses. “A conspiração dos mineiros era, basicamente, um movimento de oligarquias e no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como justificativa” (Maxwell, p.156).


O Manto de Penélope

          Porém, outro historiador, João Pinto Furtado, em seu livro O Manto de Penélope, titulo sugestivo que alude a mitologia grega sobre a história de Penélope, que oprimida durante uma longa viagem de seu marido Ulisses, começa a tecer um manto enquanto aguarda sua volta, prometendo que ao findar esse trabalho desposaria outro homem. No entanto, ela o tecia de dia e o desmanchava a noite, para assim ganhar tempo e aguardar a volta de seu amado. Isto nos sugere algum tipo de farsa, um engodo que o autor, entrando nas tramas do plano dos Inconfidentes nos mostra diversos pontos em divergências com Maxwell, e nos aponta inúmeras falhas na tese do mesmo. Furtado diz que o olhar dos historiadores obscureceu as fontes e que a ritualística do Antigo Regime estava presente em todos os momentos. O autor organizou alguns quadros para melhor visualização das atividades econômicas e do patrimônio de alguns envolvidos
         Pinto Furtado questiona a legitimidade e chega a duvidar que Maxwell tenha realmente pesquisado a fundo os Autos da Devassa, e nos dá outra direção em que podemos visualizar a mesma história. Afirma que o movimento não era tão homogêneo (oligarquia), já que era formado por uma diversidade de agentes e interesses, por suas variadas formas básicas de existência e que, portanto, não poderiam compartilhar de uma mesma visão e nem as mesmas diretrizes de atuação e intervenção pública. Não acreditam que todos tivessem a mesma interpretação do evento, devido à inserção social de cada um dos envolvidos, suas expectativas de vida e visão de mundo. A desconstrução temática, a análise do discurso e a revisão da documentação nos trazem uma nova possibilidade de análise.
           A partir da denuncia de Joaquim Silvério dos Reis ao Visconde de Barbacena, governador, a trama é descoberta e o levante não se efetiva, o que leva a observar mais de perto a organização do mesmo. Havia divergências entre os inconfidentes. Cada um tem seu interesse particular para aderir ao movimento, interesses econômicos e políticos, estes representativos dos grupos sociais.
         Havia uma tradição de desordens fragmentada, tanto em Portugal, quanto no Brasil, formados pelos desclassificados e excluídos da sociedade. Todos pretendiam de certa forma, uma nova alternativa de governo, a recuperação de algumas características do passado, a eventual manutenção da monarquia com uma política ultramarina como a anterior a orientação de Martinho de Melo Castro em 1777.  Furtado diz que o olhar dos historiadores obscureceu as fontes e que a ritualística do Antigo Regime estava presente em todos os momentos.

Conclusão

           A caracterização final foi dada pelo próprio julgamento da causa; os conjurados foram condenados a forca, e depois suas sentenças foram alteradas, somente Tiradentes recebeu condenação de execução, provavelmente porque confessou e chamou para si toda a responsabilidade sobre o levante. Sua morte violentíssima e a total perda de sua dignidade serviram para transformá-lo num herói nacional, os demais receberam pena de degredo nas colônias portuguesas da África. A trama da Inconfidência Mineira de 1789 ainda não esgotou interpretações, devido a sua grandeza e a natureza dos detalhes passiveis de observação. A História tem sido tecida e desmanchada, e ainda não chegou a sua totalidade. O episódio mais heróico da História do Brasil e seus personagens continuam imersos em mistério, sem uma interpretação definitiva.

Bibliografia
•    Furtado, João Pinto O Manto de Penélope; História, Mito e Memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. Companhia das Letras
•    Júnior, Alfredo Boulos, História Sociedade & Cidadania, 1º ed. São Paulo: FTB, 2006
•    Maxwell, Kenneth R. Conspiração. In: A Devassa da Devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil-Portugal, 1750-1808; tradução de João Maia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2º ed.1978. Cap. 5, p.141-156.

(Trabalho elaborado por Mirna Galesco Dias e grupo- Curso História - América Portuguesa - Professora Ivone Gallo - Canpinas, 2011)

Um comentário:

  1. Preciso de um resumo ou resenha sobre o cap 7 de devassa da devassa, tem como ajudar?

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