Relatório Palestra Historiografia
Tema discutido: Historiografia
Possibilidades e dimensões dos estudos de historiografia
Texto: Godoy, João Miguel Teixeira de
No dia 03 de setembro de 2010 como parte da aula de Historiografia Contemporânea, ministrada pela Profª Ana Rosa C. da Silva, o Prof° João Miguel apresentou em sala de aula, uma palestra sobre esta disciplina, fornecendo assim, importantes informações e explicações, visando ensinar e esclarecer diversas dúvidas sobre o assunto a nós, alunos do primeiro ano noturno de História na PUC Campinas.
Abaixo relatamos alguns tópicos de abrangência da palestra, buscando sintetizar, observar e apreender o máximo de diretrizes possíveis para que entendamos as principais especificidades da disciplina.
• A Historiografia como disciplina
O principal objetivo desta disciplina é guiar os passos daqueles que pretendem se tornar verdadeiros Historiadores, pois nesta área a História propriamente dita, é tratada como ciência, visando acessar e conceituar, através da reconstituição histórica do passado, possíveis dados, a fim de se responder perguntas atuais que surgem com a passagem do tempo.
Só através da observação e correta aplicação de um método, acessaremos parte do passado e alcançaremos os fragmentos de maneira coerente e poderemos assim, dar continuidade à produção do conhecimento, e ao mesmo tempo em que acessamos este passado, produzimos no presente as possíveis respostas aos futuros historiadores.
A palestra do Prof° João Miguel esclareceu diversos pontos, ainda obscuros para a classe, mas principalmente nos mostrou a importância do conhecimento historiográfico cientifico, o quanto está diretamente ligado aos outras disciplinas que estamos estudando, e como através de um estudo mais profundo, darás as bases que precisamos cultivar para encontrarmos o verdadeiro espírito histórico.
• Principais pontos que foram abordados
Foram abordados pelo palestrante pontos interessantes e esclarecedores, fazendo com que a classe refletisse a respeito do ofício do historiador e as obras de seus pares:
a) - Utilização das obras para fazer história da história, distinguindo e criticando as obras estudadas, pesquisando-as, fazendo ciência da história.
b) - A discussão sobre a gênese da história, tratada por franceses e alemães, sendo um estudo historiográfico.
c) - A emergência dos estudos de historiografia no curriculum dos cursos de história e os sintomas de uma crise de identidade dos historiadores causada pela crise das ciências humanas.
• A tradição historiográfica romana
Com a preocupação em registrar eventos religiosos, a historiografia romana surgiu tardiamente, mas a historia de gênero demonstrativo, propriamente dita, inicia-se no século II com Tácito em os Annales, tratando de registrar a vida política. A leitura desses Annales era feita em publico, pelo chefe sacerdotal do colégio dos pontífices (presságios, secas, catástrofes naturais) e, depois, também escritos pelos servidores, com um caráter mais cívico, sob a ótica de acontecimentos políticos, e ficavam sob a guarda do pontífice. Produziram-se, então nessa época, registros primeiramente religiosos, depois judiciários, onde simplesmente se registravam acontecimentos (narrativa seca), sem preocupação com a dinâmica interna destes, nem com a análise, demonstração ou um olhar critico acerca de tais eventos.
Esse gênero demonstrativo, segundo Tácito, requer duas condições básicas para ser produzido, tempo e ócio, afim de que haja uma reflexão mais profunda acerca das conjunturas, para assim se tornar um gênero historiográfico.
Cícero, um dos escritores de Roma mais completos para sua época, é visto hoje como um humanista, dedicando-se a trabalhos filosóficos e políticos, e sua retórica teve como principal preocupação a busca da ética e da moralidade na história dos homens. A “História como mestra da vida” era uma exortação a moral, o verdadeiro sentido que havia por traz das ações humanas e o quanto isso interferia em suas administrações e no desenrolar de suas histórias.
Destacou também a importância da oratória articulada à retórica, que deveria também estar associada à erudição e ao conhecimento que se obtém através da educação Essa atitude apresenta o historiador como um juiz; julga, absolve ou condena os acontecimentos, decidindo assim quais são os recortes, os acontecimentos que devem ser selecionados ou descartados definindo assim sob qual a visão correta ao se estudar o passado. Sabemos que se trata apenas das escolhas necessárias para se dirigir um estudo, que jamais será completo em si mesmo, mas articulado ao outras visões, pode proporcionar um panorama, senão completo, pelo menos diversificado da verdade que se busca.
Tito Lívio estabeleceu-se em Roma no ano 30 Ac, sendo de origem humilde teve a filosofia como base de sua educação, alcançou grande prestigio político, mas preferiu o ambiente literário, e isso proporcionou a expressão de idéias próprias. De acordo com o Prof º João Miguel, esse historiador se preocupou em conhecer a origem de Roma, compartilhando da visão de Tácito em vários pontos, mas já demonstrando uma postura mais crítica à produção documental, um maior compromisso com a verdade, observando a trajetória de seus contemporâneos, suas atitudes e conduta morais, para que servissem como exemplos de erros e acertos causados por tais atitudes, como por exemplo, a decadência moral da sociedade da época.
Conclui também esse historiador (Tácito), que quanto maior o império, maior a propensão a corrupção. Cabe aos atuais historiadores experimentar tais acontecimentos através de fontes, e através de uma profunda reflexão e análise perceber como os fenômenos surgem na história humana numa perspectiva linear ou cíclica e quais desses fenômenos merecem uma atenção especial, por sua validade no tempo presente.
Ao que vale a pena voltar os olhos? Sabemos que desde Roma as visões acerca do que realmente é importante para o meio sócia, sofreram diversas alterações e tem se desdobrado com a passagem do tempo.
• Conclusão
A palestra ministrada aos alunos foi de grande ajuda na compreensão do tema, e foi avaliada em nosso grupo como totalmente adequada para esclarecer, senão todas, mas algumas questões importantes que surgiram no inicio de tais estudos. A própria abordagem utilizada para produzir o conhecimento de hoje, tem suas raízes na historiografia e demonstrando tais articulações, o palestrante nos forneceu alguns possíveis caminhos para, primeiro avaliar e compreender, para desse modo tentar contar de maneira explicativa, assentada na lógica, os fenômenos produzidos pela sociedade humana, principal objeto do historiador.
• Bibliografia
Possibilidades e dimensões dos estudos de historiografia: GODOY, João Miguel Teixeira de .
• Palestrante : João Miguel Teixeira de Godoy
É Bacharel e Licenciado em História pela Universidade de São Paulo (1987) e Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (1996). Atualmente é professor titular e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Tem experiência na área de História, com ênfase em História Econômica, historiografia e História Regional, atuando principalmente nos seguintes temas: história de campinas, história regional, historiografia brasileira, memória e industrialização.
Mirna Galesco Dias - Relatório Palestra Historiografia, aula da Profª Ana Rosa Cloclet - Curso História - Puc Campinas, 2010.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
SEMINÁRIO - História da América Espanhola – Séculos XV-XVIII
** SEMINÁRIO**
Conforme estudado anteriormente, o processo da conquista das Américas se deu por imposição de domínio sobre as populações por parte dos espanhóis, e este domínio foi predominantemente marcado pela violência caracterizada por fatores desestruturantes como a espada, a cruz e a fome, como elucida Romano (1995)
Houve resistência por parte dos ameríndios e, apesar do genocídio os índios sobreviveram física e culturalmente. A partir da conquista veio a colonização e esta se deu entre os europeus conquistadores e os indígenas sobreviventes do genocídio. Esse núcleo colonizador era formado por duas culturas, cada uma enraizada e fortificada em cada um de seus grupos, porém suscetíveis a influenciar e a sofrer influências diante desse convívio obrigatório inserido no processo de colonização.
Cada grupo se vê forçado a lutar pela manutenção de seus costumes, culturas religiosas, econômicas, sociais, morais e políticas, mas a mescla com cada uma das outras culturas é inevitável, seja pela imposição dos conquistadores ou pelo convívio social.
Os indígenas das Américas constituíam civilizações antiqüíssimas, cujas sociedades eram dotadas de normas e ritos em todas as esferas da existência. Um povo que vivia em contato com o sagrado, isolados do resto do mundo, viu suas mulheres serem profanadas, seus deuses aniquilados, dando lugar ao novo demônio trazido nas caravelas, e assistiram assim o ruir de sua civilização e o aparecimento de outra.
Espanhóis e indígenas, em decorrência da conquista e da colonização forçosamente tiveram abalados os seus costumes e tiveram que se impor constantemente esforços para adaptação e interpretação. Entre invenções de modos de convívio e de soluções de sobrevivência, a improvisação venceu a norma e os costumes. Começa a surgir daí, o processo de ocidentalização. Neste convívio surge a mestiçagem, tanto biológica, quanto de práticas e crenças.
Os europeus, abusando da sua qualidade de conquistador mantinham com as índias relações quase sempre violentas. Assim, entre estupros, concubinagem e, mais raramente, casamentos, surgiu um novo tipo de população, os “mestiços”, os quais, a princípio, não possuíam lugar definido nem na sociedade espanhola nem na indígena.
Gruzinski (2001) usa o termo mestiçagem para definir um conceito sobre a identidade intermediária que se formava, e o termo hibridação para as misturas que aconteceram dentro da América.
Assim, as cidades que o europeu colonial fundava eram cidades européias em um mundo habitado por outros povos e com outra cultura. Falando do ciclo das fundações e da formação do Novo Mundo, Romano (1995) sintetiza: “Entre os resquícios do império cristão, esboçou-se o esquema de uma sociedade dividida entre conquistados e conquistadores...”.
Diante da violência imposta na conquista, os índios mudam sua estratégia de defesa para não perder sua condição ativa na sociedade. Simularam uma “submissão”, aceitando a evangelização para sobreviverem, forjando uma ocultação de sua cultura, dos seus costumes e a sua religião;”
Segundo Bruit (1995), “a única intenção dos índios foi esconder suas antigas tradições e crenças, mas foi justamente isso o que evitou a morte final de sua cultura e conteve uma absorção cultura hispânica”.
Com a dinâmica diária do convívio e da miscigenação foram envolvendo os colonizadores ao longo do tempo de uma maneira quase invisível, que ao invés de substituição cultural, formou-se uma nova sociedade chamada de hispano-indígena.
Culturalmente a mestiçagem ficou evidente pelas práticas sociais e religiosas percebidas já no período da colonização, e muitas mantidas ainda hoje. A mistura entre esses mundos se dá além do conceito biológico, interpenetrando o mundo mental dos envolvidos e criando a partir de então, a junção, ou melhor, uma justaposição, de cultura, religião, linguagem impregnando, assim, os ameríndios da segunda metade do século XVI dos elementos europeus e vice - versa.
Aby Warburg, citado por Gruzinski (2001), um dos pioneiros da historia da arte observou, durante uma missa um mural feito por indígenas e comentou: “Durante a missa, fiquei impressionado com o fato de que as paredes estavam cobertas de símbolos pagãos.” Observou também a influencia européia na vestimenta de algumas índias, as policromias no altar e nas imagens dos santos diante dos quais estas rezavam. Descobre um vinculo secreto entre essa cultura primitiva e a civilização do Renascimento.
Segundo Romano (1995) na atual Bolívia e no sul do Peru, a velha divindade e pagã Pacha-mama (a Terra-mãe) ainda permanece viva, mesmo se a assimilam à Virgem. No México, o culto da virgem de Guadalupe tem suas raízes no culto da deusa Tonatzin (Mãe dos deuses).
Resistindo as imposições dos espanhóis de várias maneiras, usando o silêncio e a mentira como defesa, queimando incensos para seus deuses usando uma erva que tinha significado simbólico, os índios enganavam os cristãos que pensavam que eles estavam adorando a Cristo. Os índios faziam as imagens de escultura da virgem para as igrejas cristãs, mas sempre buscando acrescentar algo que simbolizava a cultura indígena. – “pelas armas os bárbaros não podem ser movidos a crer, senão a fingir que crêem e que abraçam a fé cristã”. (Bruit, 1995).
Recusavam-se, ainda, a cultivar alimentos, e eram chamados de preguiçosos, mas seu propósito era matar de fome os colonizadores.
Praticavam a idolatria condenada pelos cristãos por meio de bruxarias, quando bebiam invocavam demônios, matavam animais em ritos, adivinhações, etc, para manter vivas suas tradições. Quando eram questionados se eram cristãos, segundo o texto um índio respondeu Quando eram questionados se eram cristãos, segundo o texto um índio respondeu: “sim senhor, eu já sou um pouquinho cristão, porque eu sei um pouquinho mentir; Amanhã eu saberei muito mentir e serei muito cristão” (Bruit, 1995).
Sobre a postura dos ameríndios diante da colonização, Bruit sintetiza “Os índios da América fundaram o que poderíamos chamar de cultura da recusa, encoberta pela simulação, e a transmitiram às gerações futuras por meio da mestiçagem biológica e cultural”.
Até bem pouco tempo a historiografia retratou os índios da América apenas pelo aspecto do genocídio e da vitimização. O Ocidente e raramente aborda o fenômeno da mistura, se ocupando mais dos movimentos nacionalistas, pelo nascimento das identidades, pelas relações de cultura popular e cultura erudita. As referências dos povos da América foram abandonadas por força das circunstâncias ou perdidas com a derrota, graças à chegada da era das conquistas.
Vimos, portanto, tratar-se de um extenso e denso tema, onde cabem muitas pesquisas e observações por parte dos historiadores para que se desfaça a nebulosa que permeia essa época cheia de detalhes tão relevantes, como o da mestiçagem, que nos possibilitará uma leitura mais próxima do real em relação ao surgimento desta nova relação, criada através da violência e que, apesar de terem sido “soldadas” uma a outra, permanecem estranhas entre si durantes muitos decênios.
Isto está bem representado nas palavras de Romano (1995): “Uma certa representação do universo é destruída, uma outra, nova, é imposta. E essa última carregará consigo, inevitavelmente, os fragmentos da que a havia precedido”.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRUIT, Hector H.. Bartolomé de as Casas e a simulação dos vencidos. Editora Unicamp, 1995.
GRUZINSKI, Serge.O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
ROMANO, Ruggiero.Os mecanismos da conquista colonial. São Paulo: Perspectiva, 1995.
ROMERO, José Luis.América Latina: as cidades e as idéias. Rio de janeiro: Editora UFRJ, 2004.
RESUMO - O PENSAMENTO MESTIÇO
RESUMO - O pensamento mestiço
O violento enfrentamento ocorrido com a chegada dos colonizadores à América teve como conseqüência o contato de dois mundos completamente estranhos um ao outro. A formação de um pensamento mestiço, se é que assim podemos chamar, deu-se de forma complexa e essa complexidade é assunto de interesse nos dias de hoje. Gruzinski em seu livro “O pensamento Mestiço” cria uma ponte com o passado e nos traz a cena desse encontro e suas implicações e faz desse modo, um estudo da cultura mestiça. Sua preocupação é com o passado, com um passado que nos serve de chave de compreensão para o presente
A mistura entre esses dois mundos se dá além do conceito biológico, interpenetrando o mundo mental dos envolvidos e criando a partir de então, a junção, ou melhor, uma justaposição, de cultura, religião, linguagem impregnando, assim, os ameríndios da segunda metade do século XVI dos elementos europeus e vice - versa.
Aby Warburg, um dos pioneiros da historia da arte observou, durante uma missa um mural feito por indígenas e comentou: “Durante a missa, fiquei impressionado com o fato de que as paredes estavam cobertas de símbolos pagãos.” (Gruzinski, Serge; O pensamento mestiço, pp13), fez algumas fotos também onde é possível observar a influencia européia na vestimenta de algumas índias, as policromias no altar e nas imagens dos santos diante dos quais estas rezavam. Descobre um vinculo secreto entre essa cultura primitiva e a civilização do Renascimento. É possível, a partir daí, realizar um melhor estudo dando uma base mais ampla ao modo de pensar dos renascentistas.
Tal qual ocorreu em toda América, a chegada dos homens do renascimento que enxergavam no índio uma folha em branco, na qual poderia e deveria ser impressas os conceitos da Europa Ranascentista, e estes impuseram, a força, sua crença e os habitantes da mesoamérica tiveram de desenvolver estratégias de sobrevivência, resistência e mesmo de convívio com a nova realidade que se apresentava. O cenário de desestruturação foi muito além do que a simples visão poderia perceber. Rompidos os ciclos naturais a que estavam acostumados os índios, surge a fome, a guerra e as epidemias retratando os cavaleiros do apocalipse percorrendo a terra espalhando suas pragas. Com mensagens tiradas do Êxodo e do Apocalipse, Motolinia, um monge católico, escreveu:
“Deus castigou esta terra com dez pragas muito cruéis por causa da dureza e obstinação de seus moradores, e por reterem prisioneiras as filhas de Sião, isto é, suas próprias almas sob o jugo do Faraó {...}” (Motolinía, o Pobre; Cidade do México, 1520, apud O Pensamento Mestiço, PP 64.)
O próprio monge não se apega definitivamente a essa explicação providencialista e a partir da terceira praga reintroduz as responsabilidades dos homens dentro de todo esse processo, tanto os espanhóis como os índios. Uma instabilidade que domina todo o contexto social da colonização.
Esse sofrimento durou muito tempo e seguiram-se outras catástrofes. Assim a formação da identidade mestiça se dá num complexo dinâmico, no qual as pessoas envolvidas na época não teriam condições de se dar conta, visto que não se tinha noção da proporção do eco que essa mestiçagem faria através dos séculos, até se formar da maneira como conhecemos hoje.
Um povo que vivia em contato com o sagrado, isolados do resto do mundo, viu suas mulheres serem profanadas, seus deuses aniquilados, dando lugar ao novo demônio trazido nas caravelas, e assistiram assim o ruir de sua civilização e o aparecimento de outra, que dividiu opiniões. Alguns colaboraram com os invasores caminhando entre os blocos que a história já localizou, outros dissimularam, e muitos que ofereceram maior resistência, foram mortos.
Num nível mais sutil e menos doloroso, os vencedores também tiveram suas consciências alteradas por esta experiência, pois a troca, efetivamente ocorreu. A mistura se torna complexa, pois havia diversas pequenas culturas na América, e os invasores também eram diferentes pessoas vindas de diversos lugares, A história da formação da península foi feita pelas relações entre os três mundos conhecidos, cristão, judeu e mulçumano, o que nos permite concluir que o estranhamento foi generalizado. Naquele momento um mundo novo se abria e gestava uma nova identidade intermediária.
Gruzinski usa o termo mestiçagem para definir um conceito sobre a identidade intermediária que se formava, e o termo hibridação para as misturas que aconteceram dentro da América. Isto se inscreve tanto dentro de uma globalização, termo não tão recente como afirma o autor, como nas margens menos vigiadas desse processo. Pensar as misturas nos leva a perceber que mesmo as misturas mais simples, como as de fluidos, na verdade não tem nada de simplicidade. Que espécie de alquimia pode ser capaz de juntar dois universos incompatíveis de crenças e costumes? O termo correto talvez seja a sobreposição de culturas, definição que o autor alerta para que tenhamos certa desconfiança, pois esta pode se apresentar como um conceito ocidental capaz de instalar uma desordem em conjuntos estruturados e tido como autênticos, por uma visão das coisas decorrentes de maneiras de pensar profundamente arraigadas em nosso ser (Gruzinski, Serge; O pensamento mestiço, pp52/54). Mas isso não explica tudo. É importante compreender o que provocou o fenômeno, saindo do etnocentrismo marcante, que privilegia o Ocidente e raramente aborda o fenômeno da mistura, se ocupando mais dos movimentos nacionalistas, pelo nascimento das identidades, pelas relações de cultura popular e cultura erudita (pp55).
As mestiçagens quebram a concepção linear do tempo, pois rompem com a concepção evolutiva, pois não há encadeamento, nem sucessão ou substituição de fatos e se apresenta cheia de imprevisibilidade. A ordem das coisas desaparece e com ela o desequilíbrio se instala com a conquista das almas, corpos e territórios do Novo Mundo, trazendo em si a presença tantos dos fantasmas dos antigos deuses, como a do Moloch universal.
As refêrencias dos povos da América foram abandonadas por força das circunstâncias ou perdidas com a derrota, graças à chegada da era das Conquistas. Todos os envolvidos experimentaram o recuo de suas origens e vivenciaram o fenômeno do distanciamento físico e psíquico, independentemente de seus lugares de origem. Pessoas foram privadas de seu espaço conhecido e viram desaparecer a representação material de seus objetos de fé e força, com a destruição de seus ídolos e templos. Isso para a aristocracia indígena consistiu numa marca psicológica humilhante e sem precedentes, principalmente com a imposição forçada do cristianismo, passível de ser questionado em seu comportamento. A dessacralização desse mundo ocorreu de maneira bárbara e acelerou a desorientação dos indígenas, ficando mais fácil sua sujeição e exploração por parte dos invasores.
Vimos, portanto, tratar de um extenso e denso tema, onde cabem muitas pesquisas e observações da parte dos historiadores para que se desfaça a nebulosa que permeia essa época cheia detalhes tão relevantes, como o da mestiçagem, que nos possibilitará uma leitura mais próxima do real em relação ao surgimento desta nova relação, criada através da violência e que, apesar de terem sido “soldadas” uma a outra, permanecem estranhas entre si durante muitos decênios.
Bibliografia : (Gruzinski, Serge;O Pensamento Mestiço - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.)
Trabalho elaborado por Mirna Galesco Dias - Curso História Puc Campinas - Disc. América Espanhola - Professora Ana Rosa Cloclet, 2010
(Gruzinski, Serge)
A mistura entre esses dois mundos se dá além do conceito biológico, interpenetrando o mundo mental dos envolvidos e criando a partir de então, a junção, ou melhor, uma justaposição, de cultura, religião, linguagem impregnando, assim, os ameríndios da segunda metade do século XVI dos elementos europeus e vice - versa.
Aby Warburg, um dos pioneiros da historia da arte observou, durante uma missa um mural feito por indígenas e comentou: “Durante a missa, fiquei impressionado com o fato de que as paredes estavam cobertas de símbolos pagãos.” (Gruzinski, Serge; O pensamento mestiço, pp13), fez algumas fotos também onde é possível observar a influencia européia na vestimenta de algumas índias, as policromias no altar e nas imagens dos santos diante dos quais estas rezavam. Descobre um vinculo secreto entre essa cultura primitiva e a civilização do Renascimento. É possível, a partir daí, realizar um melhor estudo dando uma base mais ampla ao modo de pensar dos renascentistas.
Tal qual ocorreu em toda América, a chegada dos homens do renascimento que enxergavam no índio uma folha em branco, na qual poderia e deveria ser impressas os conceitos da Europa Ranascentista, e estes impuseram, a força, sua crença e os habitantes da mesoamérica tiveram de desenvolver estratégias de sobrevivência, resistência e mesmo de convívio com a nova realidade que se apresentava. O cenário de desestruturação foi muito além do que a simples visão poderia perceber. Rompidos os ciclos naturais a que estavam acostumados os índios, surge a fome, a guerra e as epidemias retratando os cavaleiros do apocalipse percorrendo a terra espalhando suas pragas. Com mensagens tiradas do Êxodo e do Apocalipse, Motolinia, um monge católico, escreveu:
“Deus castigou esta terra com dez pragas muito cruéis por causa da dureza e obstinação de seus moradores, e por reterem prisioneiras as filhas de Sião, isto é, suas próprias almas sob o jugo do Faraó {...}” (Motolinía, o Pobre; Cidade do México, 1520, apud O Pensamento Mestiço, PP 64.)
O próprio monge não se apega definitivamente a essa explicação providencialista e a partir da terceira praga reintroduz as responsabilidades dos homens dentro de todo esse processo, tanto os espanhóis como os índios. Uma instabilidade que domina todo o contexto social da colonização.
Esse sofrimento durou muito tempo e seguiram-se outras catástrofes. Assim a formação da identidade mestiça se dá num complexo dinâmico, no qual as pessoas envolvidas na época não teriam condições de se dar conta, visto que não se tinha noção da proporção do eco que essa mestiçagem faria através dos séculos, até se formar da maneira como conhecemos hoje.
Um povo que vivia em contato com o sagrado, isolados do resto do mundo, viu suas mulheres serem profanadas, seus deuses aniquilados, dando lugar ao novo demônio trazido nas caravelas, e assistiram assim o ruir de sua civilização e o aparecimento de outra, que dividiu opiniões. Alguns colaboraram com os invasores caminhando entre os blocos que a história já localizou, outros dissimularam, e muitos que ofereceram maior resistência, foram mortos.
Num nível mais sutil e menos doloroso, os vencedores também tiveram suas consciências alteradas por esta experiência, pois a troca, efetivamente ocorreu. A mistura se torna complexa, pois havia diversas pequenas culturas na América, e os invasores também eram diferentes pessoas vindas de diversos lugares, A história da formação da península foi feita pelas relações entre os três mundos conhecidos, cristão, judeu e mulçumano, o que nos permite concluir que o estranhamento foi generalizado. Naquele momento um mundo novo se abria e gestava uma nova identidade intermediária.
Gruzinski usa o termo mestiçagem para definir um conceito sobre a identidade intermediária que se formava, e o termo hibridação para as misturas que aconteceram dentro da América. Isto se inscreve tanto dentro de uma globalização, termo não tão recente como afirma o autor, como nas margens menos vigiadas desse processo. Pensar as misturas nos leva a perceber que mesmo as misturas mais simples, como as de fluidos, na verdade não tem nada de simplicidade. Que espécie de alquimia pode ser capaz de juntar dois universos incompatíveis de crenças e costumes? O termo correto talvez seja a sobreposição de culturas, definição que o autor alerta para que tenhamos certa desconfiança, pois esta pode se apresentar como um conceito ocidental capaz de instalar uma desordem em conjuntos estruturados e tido como autênticos, por uma visão das coisas decorrentes de maneiras de pensar profundamente arraigadas em nosso ser (Gruzinski, Serge; O pensamento mestiço, pp52/54). Mas isso não explica tudo. É importante compreender o que provocou o fenômeno, saindo do etnocentrismo marcante, que privilegia o Ocidente e raramente aborda o fenômeno da mistura, se ocupando mais dos movimentos nacionalistas, pelo nascimento das identidades, pelas relações de cultura popular e cultura erudita (pp55).
As mestiçagens quebram a concepção linear do tempo, pois rompem com a concepção evolutiva, pois não há encadeamento, nem sucessão ou substituição de fatos e se apresenta cheia de imprevisibilidade. A ordem das coisas desaparece e com ela o desequilíbrio se instala com a conquista das almas, corpos e territórios do Novo Mundo, trazendo em si a presença tantos dos fantasmas dos antigos deuses, como a do Moloch universal.
As refêrencias dos povos da América foram abandonadas por força das circunstâncias ou perdidas com a derrota, graças à chegada da era das Conquistas. Todos os envolvidos experimentaram o recuo de suas origens e vivenciaram o fenômeno do distanciamento físico e psíquico, independentemente de seus lugares de origem. Pessoas foram privadas de seu espaço conhecido e viram desaparecer a representação material de seus objetos de fé e força, com a destruição de seus ídolos e templos. Isso para a aristocracia indígena consistiu numa marca psicológica humilhante e sem precedentes, principalmente com a imposição forçada do cristianismo, passível de ser questionado em seu comportamento. A dessacralização desse mundo ocorreu de maneira bárbara e acelerou a desorientação dos indígenas, ficando mais fácil sua sujeição e exploração por parte dos invasores.
Vimos, portanto, tratar de um extenso e denso tema, onde cabem muitas pesquisas e observações da parte dos historiadores para que se desfaça a nebulosa que permeia essa época cheia detalhes tão relevantes, como o da mestiçagem, que nos possibilitará uma leitura mais próxima do real em relação ao surgimento desta nova relação, criada através da violência e que, apesar de terem sido “soldadas” uma a outra, permanecem estranhas entre si durante muitos decênios.
Bibliografia : (Gruzinski, Serge;O Pensamento Mestiço - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.)
Trabalho elaborado por Mirna Galesco Dias - Curso História Puc Campinas - Disc. América Espanhola - Professora Ana Rosa Cloclet, 2010
*A Devassa da Devassa, *O Manto de Penélope, * A Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal – 1750-1808
Introdução
A “Inconfidência Mineira” foi um movimento articulado pela elite brasileira da época (1788-9) de cunho separatista que buscava libertar o Brasil da exploração portuguesa.
Em 1788 o palco político de Minas Gerais preparava-se para encenar um dos capítulos mais importantes na formação da nação e da República do Brasil. Seus atores assumiam seus papeis dentro de um contexto complexo, um tanto nebuloso, que a vasta historiografia existente nos dias de hoje busca elucidar.
Neste momento acontecia a Revolução Americana, que poderia sugerir que contariam com apoio estrangeiro, visto que alguns poucos contatos com o exterior aconteceram, mas o fato que não se comprova. Não há evidencias concretas de que os inconfidentes quisessem romper com o Antigo Regime e sim o mais provável que pretendessem reformas, já que muitos dos envolvidos na conspiração eram também senhores de escravos. Os ativistas do movimento eram militares, advogados, enfim intelectuais endividados e orientados pelo iluminismo. Todos viam na revolução uma maneira de por fim aos seus problemas financeiros, visto que a administração da colônia estava corrompida, e as exigências de Portugal geravam cada vez mais dívidas, as quais nunca eram possíveis de serem saldadas.
Devido a uma política opressora da metrópole, que cobrava impostos já estabelecidos, a capitania mineira empobrecia ainda mais por não produzir como nos tempos de grande extração, gerando medo e insegurança nos habitantes da colônia e principalmente em Minas Gerais que acumulava dívidas em toneladas de ouro para Portugal.
Um pequeno e seleto grupo da elite mineira começou a se reunir em Vila Rica e a planejar um golpe ou um motim na capitania contra o domínio português. Vários deles foram educados na Europa, e também por interesses pessoais intensificados, almejavam uma ruptura com a coroa portuguesa.
É neste cenário que se encontram e articulam os autores Kenneth Maxwell e João Pinto Furtado, sendo que o primeiro propõe em seu livro a Devassa da Devassa, a visão de que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes sendo o único a ter sentença de morte decretada, esquartejado em execução pública, foi transformado num símbolo da Inconfidência pela própria ação da coroa foi transformado num herói nacional pela historiografia e a imprensa. Nos anos 90, surge uma reflexão mais crítica o que trouxe a luz novos trabalhos. Na ocasião das comemorações do bicentenário da Inconfidência e da morte de Tiradentes, iniciaram-se outras discussões reflexivas sobre a inserção desse herói no imaginário coletivo. Foi possível perceber novas possibilidades de leitura da história.
Segundo o historiador Kenneth Maxwell, Tiradentes traria em si os componentes revolucionários e conceitos nativistas e indianistas, e desejaria de fato a independência da colônia. Maxwell faz um excelente trabalho de pesquisa do sobre a situação econômica e política da Colônia e de Portugal em meados do Século XVIII, quando eram necessárias que se efetivassem reformas, já que o Marques de Pombal havia se ocupado delas no intuito de tirar Portugal do atraso que se encontrava em relação às dinâmicas economias da Europa.
Maxwell realizou suas pesquisas no Arquivo Histórico Ultramarino, o que trouxe uma renovação a historiografia conhecida, apontou novos pontos de observação a partir dos Autos da Devassa e demonstrou que a historiografia referente à Inconfidência Mineira pode ser renovada e assim, esclareceu um pouco mais a cena econômica e política daquele momento. Diz-nos que o levante tinha uma dimensão política formado pela oligarquia local, onde esta classe, preponderante por seu dinheiro e suas riquezas, queria se contrapor as ordens da coroa e não pagar o quinto, taxa ao que o rei, caso não recebesse o pagamento, o que há tempos não acontecia, mandaria instalar a derrama, que se trata de uma forma de coação contra os "homens-bons" (brancos e ricos) e implicava na penhora de seus bens, para que estes zelassem pela arrecadação dos quintos reais.
A Devassa da Devassa
A conjuração foi coordenada por algumas pessoas de elite da capitania de Minas Gerais, tinham como estratégia de dar um golpe e tomar o poder local, assassinando o governador Visconde de Barbacena. Instigando um motim para inquietar a população de Vila Rica, isso com a conivência dos dragões e proclamar a independência. Essa era parte do plano, esperar a fixação da derrama para acertarem o dia da revolta. Todos os participantes tinham motivos pessoais para aderirem à revolta, pois eram: endividados, ameaçados de perder patrimônio, Oliveira Rolim com acusações de tráfico e apropriação indevida, acusados de extorsões e roubo, ambiciosos, e despeitado por não ter reconhecimento no trabalho, como no caso do alferes Silva Xavier.
Entre todos, Tiradentes era o maior propagandista da independência, sendo ele quem buscava simpatizantes para o movimento entre os comerciantes e o povo em geral, e certamente atraíram alguns “... o mais socialmente inseguro e o instrumento escolhido por uma elite abastada para uma revolução planejada” (Maxwell, p. 156). Não se tem exatidão sobre quais eram os principais planos dos conjurados. Se eles propunham a independência de Minas Gerais ou a Independência do Brasil. Alguns queriam proclamar uma república, que teria a capital em São João Del Rei, planejavam criar uma universidade em Vila Rica e uma casa da Moeda, para controlar a emissão de dinheiro na capitania; entre outros propósitos, mas na verdade não tinham domínio, articulação, nem mesmo controle da situação em Vila Rica, na capitania de Minas Gerais, e muito menos na Colônia.
A missão de elaborar a constituição do novo estado ficaria a cargo de Gonzaga, Antonio Tomás, Claudio Manoel da Costa, e o cônego Luiz Vieira, sendo estes os articuladores políticos da ruptura definitiva com a coroa portuguesa; e fariam a nova constituição inspirada na independência norte americana.
Existiam apoiadores dessa conspiração, grupos distintos que tinham também interesses de rompimento com a coroa portuguesa, ativistas, ideólogos e interessados financeiramente, contratantes de diamantes e fiadores de contratantes ou ligados a estes, homens de prestígio da sociedade, mas devedores da fazenda. “A impressão que se tem é que esta proposta de um estado independente se apresentou, dentro de uma conjuntura crítica, como uma panacéia para devedores da coroa na capitania”. (Maxwell, p. 148). Todos ligados por interesses econômicos. Também tinham ligações com alguns do Rio de Janeiro, local onde havia possibilidades de também acontecer o levante.
A elite da sociedade estava tão alienada, não foi capaz de perceber que outras camadas intermediárias da população pudessem dar apoio ao processo de independência; ou os subestimaram, pensando assim ter um acesso mais fácil e rápido ao povo local, achando-os influenciáveis, e querendo com isso resolver seus problemas particulares e não de ordem idealista a ponto de buscar apoio decisivo para a revolta.
Informados das causas da Revolução Americana, diante de seus maus governadores e altos tributos cobrados ao povo, aguçava a reflexão dos devedores da coroa, instigando-os rumo à revolta, que seria a salvação imediata aos que estavam ameaçados pela metrópole.
O alferes Silva Xavier, em sua viagem ao Rio de Janeiro parece ter conseguido alguma fonte de recursos e apoio com negociantes ricos, seus clientes, que tinham interesses de liberdade de comércio, com intercâmbio direto com a Grã- Bretanha. Também pelo autoritarismo da coroa, que exigia da Colônia o comércio somente com a metrópole, Fechando as fábricas de manufaturas têxteis no Rio, proibido em 1785 a instalação de indústrias no Brasil e punindo com rigor os contrabandos, impondo aos produtos da metrópole com altos preços e eliminando a fabricação local.
Os inconfidentes garantiram aos negociantes do Rio que honrariam os investimentos e o apoio após o levante. Já em São Paulo não tinham apoiadores expressivos como no Rio, e ficaram sem garantias.
Existiam controvérsias entre os inconfidentes a respeito de vários projetos, como: a morte do governador, a libertação dos escravos, sobre os europeus que moravam na região, a bandeira da nova república, etc. Inclinados a fazer uma constituição com base no modelo norte americano, mas havia um desacordo com a democracia, outros espelhavam na administração de Pombal, mais uma vez os interesses pessoais ficaram em evidência, sem um ajustamento sobre o plano social, os inconfidentes eram tradicionais e não se pensavam em mudança social. Como iriam sobreviver? Sem mordomias? Sem escravos? O que imperava para eles era o poder político e econômico.
Acreditavam que poderiam controlar com facilidade e manipular, de acordo com seus próprios interesses. “A conspiração dos mineiros era, basicamente, um movimento de oligarquias e no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como justificativa” (Maxwell, p.156).
O Manto de Penélope
Porém, outro historiador, João Pinto Furtado, em seu livro O Manto de Penélope, titulo sugestivo que alude a mitologia grega sobre a história de Penélope, que oprimida durante uma longa viagem de seu marido Ulisses, começa a tecer um manto enquanto aguarda sua volta, prometendo que ao findar esse trabalho desposaria outro homem. No entanto, ela o tecia de dia e o desmanchava a noite, para assim ganhar tempo e aguardar a volta de seu amado. Isto nos sugere algum tipo de farsa, um engodo que o autor, entrando nas tramas do plano dos Inconfidentes nos mostra diversos pontos em divergências com Maxwell, e nos aponta inúmeras falhas na tese do mesmo. Furtado diz que o olhar dos historiadores obscureceu as fontes e que a ritualística do Antigo Regime estava presente em todos os momentos. O autor organizou alguns quadros para melhor visualização das atividades econômicas e do patrimônio de alguns envolvidos
Pinto Furtado questiona a legitimidade e chega a duvidar que Maxwell tenha realmente pesquisado a fundo os Autos da Devassa, e nos dá outra direção em que podemos visualizar a mesma história. Afirma que o movimento não era tão homogêneo (oligarquia), já que era formado por uma diversidade de agentes e interesses, por suas variadas formas básicas de existência e que, portanto, não poderiam compartilhar de uma mesma visão e nem as mesmas diretrizes de atuação e intervenção pública. Não acreditam que todos tivessem a mesma interpretação do evento, devido à inserção social de cada um dos envolvidos, suas expectativas de vida e visão de mundo. A desconstrução temática, a análise do discurso e a revisão da documentação nos trazem uma nova possibilidade de análise.
A partir da denuncia de Joaquim Silvério dos Reis ao Visconde de Barbacena, governador, a trama é descoberta e o levante não se efetiva, o que leva a observar mais de perto a organização do mesmo. Havia divergências entre os inconfidentes. Cada um tem seu interesse particular para aderir ao movimento, interesses econômicos e políticos, estes representativos dos grupos sociais.
Havia uma tradição de desordens fragmentada, tanto em Portugal, quanto no Brasil, formados pelos desclassificados e excluídos da sociedade. Todos pretendiam de certa forma, uma nova alternativa de governo, a recuperação de algumas características do passado, a eventual manutenção da monarquia com uma política ultramarina como a anterior a orientação de Martinho de Melo Castro em 1777. Furtado diz que o olhar dos historiadores obscureceu as fontes e que a ritualística do Antigo Regime estava presente em todos os momentos.
Conclusão
A caracterização final foi dada pelo próprio julgamento da causa; os conjurados foram condenados a forca, e depois suas sentenças foram alteradas, somente Tiradentes recebeu condenação de execução, provavelmente porque confessou e chamou para si toda a responsabilidade sobre o levante. Sua morte violentíssima e a total perda de sua dignidade serviram para transformá-lo num herói nacional, os demais receberam pena de degredo nas colônias portuguesas da África. A trama da Inconfidência Mineira de 1789 ainda não esgotou interpretações, devido a sua grandeza e a natureza dos detalhes passiveis de observação. A História tem sido tecida e desmanchada, e ainda não chegou a sua totalidade. O episódio mais heróico da História do Brasil e seus personagens continuam imersos em mistério, sem uma interpretação definitiva.
Bibliografia
• Furtado, João Pinto O Manto de Penélope; História, Mito e Memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. Companhia das Letras
• Júnior, Alfredo Boulos, História Sociedade & Cidadania, 1º ed. São Paulo: FTB, 2006
• Maxwell, Kenneth R. Conspiração. In: A Devassa da Devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil-Portugal, 1750-1808; tradução de João Maia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2º ed.1978. Cap. 5, p.141-156.
(Trabalho elaborado por Mirna Galesco Dias e grupo- Curso História - América Portuguesa - Professora Ivone Gallo - Canpinas, 2011)
A “Inconfidência Mineira” foi um movimento articulado pela elite brasileira da época (1788-9) de cunho separatista que buscava libertar o Brasil da exploração portuguesa.
Em 1788 o palco político de Minas Gerais preparava-se para encenar um dos capítulos mais importantes na formação da nação e da República do Brasil. Seus atores assumiam seus papeis dentro de um contexto complexo, um tanto nebuloso, que a vasta historiografia existente nos dias de hoje busca elucidar.
Neste momento acontecia a Revolução Americana, que poderia sugerir que contariam com apoio estrangeiro, visto que alguns poucos contatos com o exterior aconteceram, mas o fato que não se comprova. Não há evidencias concretas de que os inconfidentes quisessem romper com o Antigo Regime e sim o mais provável que pretendessem reformas, já que muitos dos envolvidos na conspiração eram também senhores de escravos. Os ativistas do movimento eram militares, advogados, enfim intelectuais endividados e orientados pelo iluminismo. Todos viam na revolução uma maneira de por fim aos seus problemas financeiros, visto que a administração da colônia estava corrompida, e as exigências de Portugal geravam cada vez mais dívidas, as quais nunca eram possíveis de serem saldadas.
Devido a uma política opressora da metrópole, que cobrava impostos já estabelecidos, a capitania mineira empobrecia ainda mais por não produzir como nos tempos de grande extração, gerando medo e insegurança nos habitantes da colônia e principalmente em Minas Gerais que acumulava dívidas em toneladas de ouro para Portugal.
Um pequeno e seleto grupo da elite mineira começou a se reunir em Vila Rica e a planejar um golpe ou um motim na capitania contra o domínio português. Vários deles foram educados na Europa, e também por interesses pessoais intensificados, almejavam uma ruptura com a coroa portuguesa.
É neste cenário que se encontram e articulam os autores Kenneth Maxwell e João Pinto Furtado, sendo que o primeiro propõe em seu livro a Devassa da Devassa, a visão de que Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes sendo o único a ter sentença de morte decretada, esquartejado em execução pública, foi transformado num símbolo da Inconfidência pela própria ação da coroa foi transformado num herói nacional pela historiografia e a imprensa. Nos anos 90, surge uma reflexão mais crítica o que trouxe a luz novos trabalhos. Na ocasião das comemorações do bicentenário da Inconfidência e da morte de Tiradentes, iniciaram-se outras discussões reflexivas sobre a inserção desse herói no imaginário coletivo. Foi possível perceber novas possibilidades de leitura da história.
Segundo o historiador Kenneth Maxwell, Tiradentes traria em si os componentes revolucionários e conceitos nativistas e indianistas, e desejaria de fato a independência da colônia. Maxwell faz um excelente trabalho de pesquisa do sobre a situação econômica e política da Colônia e de Portugal em meados do Século XVIII, quando eram necessárias que se efetivassem reformas, já que o Marques de Pombal havia se ocupado delas no intuito de tirar Portugal do atraso que se encontrava em relação às dinâmicas economias da Europa.
Maxwell realizou suas pesquisas no Arquivo Histórico Ultramarino, o que trouxe uma renovação a historiografia conhecida, apontou novos pontos de observação a partir dos Autos da Devassa e demonstrou que a historiografia referente à Inconfidência Mineira pode ser renovada e assim, esclareceu um pouco mais a cena econômica e política daquele momento. Diz-nos que o levante tinha uma dimensão política formado pela oligarquia local, onde esta classe, preponderante por seu dinheiro e suas riquezas, queria se contrapor as ordens da coroa e não pagar o quinto, taxa ao que o rei, caso não recebesse o pagamento, o que há tempos não acontecia, mandaria instalar a derrama, que se trata de uma forma de coação contra os "homens-bons" (brancos e ricos) e implicava na penhora de seus bens, para que estes zelassem pela arrecadação dos quintos reais.
A Devassa da Devassa
A conjuração foi coordenada por algumas pessoas de elite da capitania de Minas Gerais, tinham como estratégia de dar um golpe e tomar o poder local, assassinando o governador Visconde de Barbacena. Instigando um motim para inquietar a população de Vila Rica, isso com a conivência dos dragões e proclamar a independência. Essa era parte do plano, esperar a fixação da derrama para acertarem o dia da revolta. Todos os participantes tinham motivos pessoais para aderirem à revolta, pois eram: endividados, ameaçados de perder patrimônio, Oliveira Rolim com acusações de tráfico e apropriação indevida, acusados de extorsões e roubo, ambiciosos, e despeitado por não ter reconhecimento no trabalho, como no caso do alferes Silva Xavier.
Entre todos, Tiradentes era o maior propagandista da independência, sendo ele quem buscava simpatizantes para o movimento entre os comerciantes e o povo em geral, e certamente atraíram alguns “... o mais socialmente inseguro e o instrumento escolhido por uma elite abastada para uma revolução planejada” (Maxwell, p. 156). Não se tem exatidão sobre quais eram os principais planos dos conjurados. Se eles propunham a independência de Minas Gerais ou a Independência do Brasil. Alguns queriam proclamar uma república, que teria a capital em São João Del Rei, planejavam criar uma universidade em Vila Rica e uma casa da Moeda, para controlar a emissão de dinheiro na capitania; entre outros propósitos, mas na verdade não tinham domínio, articulação, nem mesmo controle da situação em Vila Rica, na capitania de Minas Gerais, e muito menos na Colônia.
A missão de elaborar a constituição do novo estado ficaria a cargo de Gonzaga, Antonio Tomás, Claudio Manoel da Costa, e o cônego Luiz Vieira, sendo estes os articuladores políticos da ruptura definitiva com a coroa portuguesa; e fariam a nova constituição inspirada na independência norte americana.
Existiam apoiadores dessa conspiração, grupos distintos que tinham também interesses de rompimento com a coroa portuguesa, ativistas, ideólogos e interessados financeiramente, contratantes de diamantes e fiadores de contratantes ou ligados a estes, homens de prestígio da sociedade, mas devedores da fazenda. “A impressão que se tem é que esta proposta de um estado independente se apresentou, dentro de uma conjuntura crítica, como uma panacéia para devedores da coroa na capitania”. (Maxwell, p. 148). Todos ligados por interesses econômicos. Também tinham ligações com alguns do Rio de Janeiro, local onde havia possibilidades de também acontecer o levante.
A elite da sociedade estava tão alienada, não foi capaz de perceber que outras camadas intermediárias da população pudessem dar apoio ao processo de independência; ou os subestimaram, pensando assim ter um acesso mais fácil e rápido ao povo local, achando-os influenciáveis, e querendo com isso resolver seus problemas particulares e não de ordem idealista a ponto de buscar apoio decisivo para a revolta.
Informados das causas da Revolução Americana, diante de seus maus governadores e altos tributos cobrados ao povo, aguçava a reflexão dos devedores da coroa, instigando-os rumo à revolta, que seria a salvação imediata aos que estavam ameaçados pela metrópole.
O alferes Silva Xavier, em sua viagem ao Rio de Janeiro parece ter conseguido alguma fonte de recursos e apoio com negociantes ricos, seus clientes, que tinham interesses de liberdade de comércio, com intercâmbio direto com a Grã- Bretanha. Também pelo autoritarismo da coroa, que exigia da Colônia o comércio somente com a metrópole, Fechando as fábricas de manufaturas têxteis no Rio, proibido em 1785 a instalação de indústrias no Brasil e punindo com rigor os contrabandos, impondo aos produtos da metrópole com altos preços e eliminando a fabricação local.
Os inconfidentes garantiram aos negociantes do Rio que honrariam os investimentos e o apoio após o levante. Já em São Paulo não tinham apoiadores expressivos como no Rio, e ficaram sem garantias.
Existiam controvérsias entre os inconfidentes a respeito de vários projetos, como: a morte do governador, a libertação dos escravos, sobre os europeus que moravam na região, a bandeira da nova república, etc. Inclinados a fazer uma constituição com base no modelo norte americano, mas havia um desacordo com a democracia, outros espelhavam na administração de Pombal, mais uma vez os interesses pessoais ficaram em evidência, sem um ajustamento sobre o plano social, os inconfidentes eram tradicionais e não se pensavam em mudança social. Como iriam sobreviver? Sem mordomias? Sem escravos? O que imperava para eles era o poder político e econômico.
Acreditavam que poderiam controlar com facilidade e manipular, de acordo com seus próprios interesses. “A conspiração dos mineiros era, basicamente, um movimento de oligarquias e no interesse da oligarquia, sendo o nome do povo invocado apenas como justificativa” (Maxwell, p.156).
O Manto de Penélope
Porém, outro historiador, João Pinto Furtado, em seu livro O Manto de Penélope, titulo sugestivo que alude a mitologia grega sobre a história de Penélope, que oprimida durante uma longa viagem de seu marido Ulisses, começa a tecer um manto enquanto aguarda sua volta, prometendo que ao findar esse trabalho desposaria outro homem. No entanto, ela o tecia de dia e o desmanchava a noite, para assim ganhar tempo e aguardar a volta de seu amado. Isto nos sugere algum tipo de farsa, um engodo que o autor, entrando nas tramas do plano dos Inconfidentes nos mostra diversos pontos em divergências com Maxwell, e nos aponta inúmeras falhas na tese do mesmo. Furtado diz que o olhar dos historiadores obscureceu as fontes e que a ritualística do Antigo Regime estava presente em todos os momentos. O autor organizou alguns quadros para melhor visualização das atividades econômicas e do patrimônio de alguns envolvidos
Pinto Furtado questiona a legitimidade e chega a duvidar que Maxwell tenha realmente pesquisado a fundo os Autos da Devassa, e nos dá outra direção em que podemos visualizar a mesma história. Afirma que o movimento não era tão homogêneo (oligarquia), já que era formado por uma diversidade de agentes e interesses, por suas variadas formas básicas de existência e que, portanto, não poderiam compartilhar de uma mesma visão e nem as mesmas diretrizes de atuação e intervenção pública. Não acreditam que todos tivessem a mesma interpretação do evento, devido à inserção social de cada um dos envolvidos, suas expectativas de vida e visão de mundo. A desconstrução temática, a análise do discurso e a revisão da documentação nos trazem uma nova possibilidade de análise.
A partir da denuncia de Joaquim Silvério dos Reis ao Visconde de Barbacena, governador, a trama é descoberta e o levante não se efetiva, o que leva a observar mais de perto a organização do mesmo. Havia divergências entre os inconfidentes. Cada um tem seu interesse particular para aderir ao movimento, interesses econômicos e políticos, estes representativos dos grupos sociais.
Havia uma tradição de desordens fragmentada, tanto em Portugal, quanto no Brasil, formados pelos desclassificados e excluídos da sociedade. Todos pretendiam de certa forma, uma nova alternativa de governo, a recuperação de algumas características do passado, a eventual manutenção da monarquia com uma política ultramarina como a anterior a orientação de Martinho de Melo Castro em 1777. Furtado diz que o olhar dos historiadores obscureceu as fontes e que a ritualística do Antigo Regime estava presente em todos os momentos.
Conclusão
A caracterização final foi dada pelo próprio julgamento da causa; os conjurados foram condenados a forca, e depois suas sentenças foram alteradas, somente Tiradentes recebeu condenação de execução, provavelmente porque confessou e chamou para si toda a responsabilidade sobre o levante. Sua morte violentíssima e a total perda de sua dignidade serviram para transformá-lo num herói nacional, os demais receberam pena de degredo nas colônias portuguesas da África. A trama da Inconfidência Mineira de 1789 ainda não esgotou interpretações, devido a sua grandeza e a natureza dos detalhes passiveis de observação. A História tem sido tecida e desmanchada, e ainda não chegou a sua totalidade. O episódio mais heróico da História do Brasil e seus personagens continuam imersos em mistério, sem uma interpretação definitiva.
Bibliografia
• Furtado, João Pinto O Manto de Penélope; História, Mito e Memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. Companhia das Letras
• Júnior, Alfredo Boulos, História Sociedade & Cidadania, 1º ed. São Paulo: FTB, 2006
• Maxwell, Kenneth R. Conspiração. In: A Devassa da Devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil-Portugal, 1750-1808; tradução de João Maia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2º ed.1978. Cap. 5, p.141-156.
(Trabalho elaborado por Mirna Galesco Dias e grupo- Curso História - América Portuguesa - Professora Ivone Gallo - Canpinas, 2011)
Resumo “OS TEMPOS DA HISTÓRIA"”
Resumo “Os tempos da História”,
A busca da articulação própria dos fenômenos se faz hierarquizando as diversas temporalidades em que estes ocorrem, levando em consideração os pressupostos lógicos dos procedimentos para tal. A importância do tempo para a construção da história esta implícita no manejo diacrônico do tempo, pois permite desse anglo de visão, a percepção da ocorrência de um ou mais processos ao mesmo tempo em que outros processos acontecem, conseguindo ter uma visão mais ampla e assim observar melhor o espaço histórico guardado pelo tempo.
As perguntas do historiador são do presente em relação ao passado. Ao estudar o homem e suas sociedades, observa-se que este pertence a um tempo que possui muitas faces sendo construído dentro de uma complexidade, pois não é o tempo psicológico, físico, nem medido pelos relógios. È o tempo como substância da História, que a orienta e dá sentido.
O tempo já foi medido de várias formas pelos diversos povos que habitam e habitaram a terra. A percepção na antiguidade era de um tempo cíclico, sem inicio nem fim, sempre se iniciando e terminando passível ao acontecimento de algum evento natural, início de reinados ou impérios, fundação de abadias. Isto nos dá uma sensação de que o tempo era imóvel, estático, pois assim como a mentalidade humana, também se desenvolvia lentamente. Quando surge a era cristã e o tempo, agora unificado, passa a ser contado a partir do nascimento de Cristo, mas ainda continua acompanhando o circulo da liturgia, sem espessura nem consistência próprias, aguardando o final do mundo. Inicialmente a intenção da utilização de datas era a de organizar a vida litúrgica, pois os judeus utilizavam o calendário lunar e os romanos o solar. Somente no século XI essa contagem se torna predominante e será imposta ao resto do mundo através da expansão colonial. Essa generalização terminou com a concepção circular do tempo. Surge a espiral em ascendência, que trás em si uma leitura racional destes e novos círculos.
“Historiadores humanistas da segunda metade do século XV, ao reencontrarem na Antiguidade de seus mestres, na literatura, na arte, operaram um recorte na história em três épocas: A Antiguidade Clássica, a Idade Média e Idade Moderna.” (PROST, Antoine; pp102) e nos legaram esses períodos dos quais não podemos nos abster, pois essas divisões já foram aceitas e são utilizadas para se estudar uma época. Quando um historiador constrói o tempo da História, pretende organizar acontecimentos e fatos de forma coerente, e dotá-lo de sentido. A história trabalha com o tempo das sociedades, da coletividade e serve de referencia temporal para os membros de um determinado grupo, e se incorpora, de alguma forma, as perguntas, documentos e fatos ocorridos também num determinado momento. Um tempo não apenas passivo, mas dotado de uma dinâmica própria.
Permeada pelo tempo, a História nos permite fazer prognósticos do presente para o futuro a partir do diagnóstico do passado. Diferentemente da memória, que se serve de um tempo já decorrido e o busca a partir de lembranças, a história investiga e tenta compreender o passado através da razão e da interpretação. O historiador no exercício de seu oficio produz, através de registros de sua observação, a historicidade de uma época, dialogando com as marcas produzidas e deixadas pelo passar do tempo.
Periodizando, identificando rupturas através de uma estrutura diacrônica do tempo, o historiador caminha em direção a uma dimensão própria da historia. Um período se caracteriza pela homogeneidade de acontecimentos dentro de si e as rupturas delimitam esses períodos.
A observação das esferas de existência da humanidade nos permite perceber a passagem do tempo. Braudel nos fala de três tempos na história, um que se refere à percepção das mudanças mentais de determinada época, comparando as estruturas mentais a esse tempo como a águas de profundeza, que não são totalmente imóveis, pois conhece flutuações. Feita de retornos insistentes e ciclos incessantemente recomeçados. Ao estudar as historias das sociedades e civilizações e suas economias e o Estado, faz nova analogia do tempo com as águas do meio, que com seu ritmo provoca as ondas, muda as conjunturas e traz mudanças já perceptíveis, porém de média duração. E por fim, nos fala da água de superfície, com suas oscilações breves, rápidas e nervosas, comparando ao individuo vivenciando e provocando acontecimentos, num vaivém interminável. Este é o tempo da história que ainda está sendo escrita e tem a dimensão dos sentimentos humanos (BRAUDEL, Fernand; apud Doze lições sobre a história).
Claude Lévi-Strauss: “Não há História sem datas”. O Tempo é o ator principal nas tramas da história, seu fio condutor, o mar invisível onde todos nós navegamos.
O presente trabalho é um resumo do capitulo “Os tempos da História”, (PROST, Antoine, 1933-. Doze lições sobre a história; [tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira — Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.] e nos mostra as características do tempo na concepção do historiador, e qual a relação que desenvolvem para que seja possível construir a história propriamente dita.
Trabalho elaborado por Mirna Galesco Dias, na disciplina de História Antiga, ministrada pelo Professor Alex Degan- Puc Campinas, 2010
Comentário :- “PEDAGOGIA DA AUTONOMIA” “Saberes Necessários à Prática Educativa”,
“Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.”
B. Brecht.
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.”
B. Brecht.
Este comentário foi elaborado a partir do livro Pedagogia da Autonomia, Saberes Necessários à Prática Educativa, publicado em 1996, sendo esta a última publicação em vida do educador Paulo Freire, onde ele nos indica diretrizes para um ensino progressista, ainda que possam ser aplicadas ao ensino conservador também, e nos fala da complexidade das relações entre aluno/professor. Visando apontar-nos uma pedagogia modernizada, livre dos antigos padrões, sugere um trabalho a partir de conceitos que individualizam os seres em construção, mostrando-lhes a possibilidade de instruir-se criticamente e dessa forma instruindo indivíduos a trabalharem pelo bem da coletividade.
O professor é um eterno aluno, e nesta relação com o conhecimento sabe que se trata de um caminho sem fim, pois, segundo Freire, o ser humano é inconcluso, e enquanto se ensina se aprende e vice-versa. Toda a descoberta e troca que faz com o seu educando produz novo conhecimento, tal qual uma dança, que exige empenho, trabalho e muita reflexão para se estar sincronizado ao seu par.
A formação de ambos encontra-se sempre em andamento, pois a todo momento o mundo globalizado nos traz informações diversas de todas as partes e esse dinamismo deve perpassar a sala de aula, pois dentro do universo pedagógico caminham lado a lado, educador e educando em construção, e vão neste percurso se descobrindo, trocando se reconhecendo.
Ensinar nos dias de hoje requer habilidade em despertar no aluno o interesse pelo aprendizado e conquistar deste sua dedicação e compromisso com o saber, num momento em que acontece a nítida desvalorização do professor. Todos os que abraçarem tal ofício tem que estar cientes das implicações existentes para tal.
A realidade das escolas públicas nos dá o retrato da vida da comunidade. Jovens e crianças extremamente carentes, pois as dificuldades diárias enfrentadas por seus pais, em luta pela sobrevivência, roubam desses alunos uma maior atenção dentro de seus lares.
Isto se apresenta ao professor em forma de às vezes rebeldia, às vezes apatia. Diante deste quadro surge não a dificuldade, mas muito mais a possibilidade de se encontrar caminhos que se abram diante dos envolvidos e possibilitem a melhor comunicação entre eles.
Paulo Freire nos propõe caminhos para promover o conhecimento de forma que desperte no ser seus infinitos potenciais e que não sejam meramente treinados em qualquer destreza a fim de serem absorvidos pelo capitalismo. Para tanto nos oferece em seu texto diversos tópicos para reflexão, nos indicando com setas os componentes necessários para que o professor cumpra seu papel.
Independentemente da opção política do professor, seja ela critica progressiva ou conservadora, há saberes indispensáveis à prática docente. Trazer à luz a capacidade crítica do aluno através da rigorosidade metódica, mostrando a ele ser possível aprender e se formar criticamente. O importante é incluir o conceito “pensar certo”, e agir sempre se norteado pela ética. Ensinar a pensar certo requer trabalho exaustivo, mas a partir disso tudo começa a fluir melhor. Para que tudo corra bem, é necessário que o professor tenha alinhados seu pensar certo, com seu fazer e principalmente, com o seu dizer, pois é através de suas mínimas atitudes e sua postura dirigida ao educando que vão definir de imediato a relação entre os dois. De acordo com sua conduta, assim é o exemplo passado ao aluno, passível de ser seguido.
Uma palavra, um gesto daquele que se propõe a ensinar podem determinar o sucesso ou o fracasso do projeto. Um professor pesquisador, que respeita seus alunos, que os ensina a ter um espírito crítico e a pensar certo, lhes apresenta a beleza do saber, age com ética, certamente terá bons frutos a colher. Está a cada dia projetando lições que o ajudarão ao aprendiz buscar sua autonomia, tal qual um espelho onde verá reproduzido o conhecimento construído ao longo do caminho.
Dentro de o processo ensinar/aprender estão incorporados conceitos que apesar de antigos, não perderam sua validade e são perfeitamente atuais e cabem no presente comentário. Um deles é a ética, que Freire enfatiza em seu texto O pensar certo se baseia primeiramente na ética, e este é um dos ensinamentos mais determinantes na formação do caráter, do ser humano como um todo e virtude inseparável do bom professor.
A ética sempre acompanhada da estética transporta o aluno da ingenuidade a criticidade, formando o ser histórico-social, sendo assim capaz de comparar, valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper e assim se tornar um ser ético. (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, Cap. 1.5. Editora Paz e Terra. Coleção Saberes. 1996. 36ª Edição). Aceitar os riscos que o dia-a-dia traz ao deparar-se com o novo, o diferente e ser capaz de rejeitar toda e qualquer forma de discriminação e preconceito, está implícito no caráter ético. Essas atitudes devem ser cultivadas e disseminadas durante o processo educativo, primeiramente com a própria postura do educador, a fim de provocar o entendimento do aluno.
Todas essas observações se fazem necessárias à prática da docência, tendo claro que ensinar não é transferir conhecimento e sim trabalhar para sua construção, criticando sua extensão, envolvendo-se nela e envolvendo também o aluno. A consciência de inacabamento, pois tudo no mundo está em constante movimento, transformação, deve permear o ensino, tendo-se em mente a responsabilidade por aquilo que se cria. Só aquele que se torna ético pode romper com a ética, e o ser capaz de intervir no mundo o faz, pensando certo ou errado. Capazes de produzir eventos fantásticos, são também causadores de tantas calamidades. Isso é um reflexo de sua orientação inicial e os resultados infalivelmente aparecem.
Contudo, o respeito pela autonomia do educando deve ser sagrado. O educador deve estar atento a esse fator e enxergá-lo qual respeito por si mesmo. Ter bom senso e refletir diariamente sobre sua prática, mantendo sua autoridade natural, tomando decisões, enfim, orientando o grupo da forma que sua posição exige, observando de perto a tensão causada por autoridade-liberdade sem confundir autoridade com autoritarismo,pois tênue é a linha que separa tais conceitos. A autoridade não necessita ser reafirmada a todo instante se exercida com sabedoria, pois a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor. (FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, Cap. 3.1. Editora Paz e Terra. Coleção Saberes. 1996. 36ª Edição
Há também a luta pelo resgate da dignidade da profissão do professor, e os educandos devem ser inseridos nesta luta, conscientizados do direito que têm a um ensino de qualidade ministrado por docentes preparados para lhes conduzir rumo à conquista de sua identidade enquanto ser social. O professor tem que mover-se com clareza e segurança e por mais que haja obstáculos para a plena realização e exercício de seu ofício, não deve perder de vista seu objetivo maior, que é a construção do ser humano que age no mundo e assim o transforma.
O espírito de alegria e esperança tem que estar presente em seu envolvimento com a prática educativa, sabidamente política, moral e social. Esse espírito faz parte da natureza humana e são as armas necessárias a resistência em tempos difíceis, e a convicção de que mudanças são possíveis, não deve desaparecer.
O professor movido pela curiosidade, dentro dos limites , mas em permanente exercício cultiva o mesmo sentimento em seus educandos e desta forma abre mais espaço para a busca do conhecimento.
O respeito na relação aluno/professor não dá lugar à arrogância ou a indulgência, pois onde há arrogância não há humildade, e sem esse parâmetro a tendência é o impedimento de uma perfeita interação que nasce em relações justas, sérias, generosas em que a liberdade do aluno e a autoridade docente se assumem eticamente e assim validam o caráter formado do espaço pedagógico.
A disponibilidade para o diálogo, mas principalmente, a disposição para escutar demonstra o respeito para com a leitura do mundo do educando. Sem isso o comportamento elitista e antidemocrático do professor cala a possibilidade de no educando depositar seus comunicados também.
Portanto, após anos exercendo esse oficio e pesquisando incansavelmente, o educador Paulo Freire nos presenteia com essa obra que traz em si o cotidiano do espaço pedagógico, nos mostrando suas dificuldades, mas também nos propiciando um vislumbre de um campo de possibilidades, onde docentes, como co-autores participem da elaboração e da construção de um futuro, que desejamos seja mais justo e onde a escola realmente seja destinada a todos com um fim em comum, a de formar seres pensantes e autônomos que venham a intervir no mundo e transformá-lo num lugar muito melhor para os que ainda virão.
Disciplina “Educação e Sociedade”
Profª Suzy Mary N.de O. Pregnolatto
(Elaborado por Mirna Galesco Dias e grupo; Curso de História - Puc Campinas, 2010 )
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