O DESDOBRAMENTO DOS PROCESSOS REVOLUCIONÁRIOS LATINOAMERICANOS:
As
Esquerdas Latino-americanas na Atualidade
Mirna Galesco Dias
mirnagd@puccampinas.edu.br
O
termo “esquerda” surgiu na Revolução Francesa, e com o decorrer do tempo,
assumiu as características do momento histórico em que se inserem. Na Colômbia,
em 1947, o Partido Conservador vence as eleições e alguns setores dogmáticos
passam a perseguir de forma violenta os liberais, buscando tomar o poder numa
região após outra, utilizando todos os meios possíveis para atingir seus
objetivos. Passam a incitar a violência urbana, que se estende também ao campo.
Apoiados em discursos moralistas, e com a ajuda da igreja, vão dividindo a
população, que por razões pessoais ou ideológicas passam a viver a politica em
seu cotidiano. Em 1949 alguns lideres liberais e outros conservadores, fogem
para o exilio. Instala-se uma verdadeira “inquisição”, com oportunas denuncias,
muitas vezes forjadas, perseguições e mortes.
Em 1953, os políticos entregam o poder
aos militares, e o povo recebe a ordem de entregar as armas. Entretanto, não
havia uma relação de fato entre o movimento e a politica nacional, e suas
ideologias partidárias não estavam bem definidas. Os conflitos tornam-se
localizados, passando a fazer parte da realidade social das cidade e vão
tornando-se cada vez mais de cunho privado e pessoal. Em 1947, inicia-se um
período que é chamado “La Violencia”, que
não terminou antes de 1964. Desde os anos 50, o povo do campo era humilhado e
tratado como bandidos. De fato, muito liberais e conservadores tornaram-se
bandidos, para continuar sobrevivendo, A indiferença dos políticos em relação a
violência e mortes no campo, criam a necessidade nos camponeses de formar vínculos sociais, para unidos fortalecerem
a luta. Quando conseguem organizar-se e estabelecer os propósitos da causa, o
exército ordena a disseminação desses grupos, e um bombardeio aéreo é ordenado
em 1964, sobre as montanhas andinas, próximas a Bogotá, direcionado ao acampamento
dos bandos rurais, conhecidos como “autodefesas campesinas” (AGGIO, 2003,
p.264).
Os
movimentos das esquerdas latino-americanas na atualidade estão presentes com
muita força nas áreas rurais, alguns encontram-se nas cidades, seus militantes
recebem treinamentos paramilitares, mas suas ideologias e objetivos políticos
foram alterados. Numa perfeita
demonstração sobre as permanências e descontinuidade históricas, os documentários
e os autores selecionados para este trabalho, trazem a luz o e trajeto desses
grupos, seus envolvimentos com os governos dos países onde atuam e suas
transformações e insurgência no século
XXI.
Os
documentários sobre as esquerdas na atualidade, apresentam um dossiê preparado
em Londres, a partir de documentos conseguidos num confronto entre o governo
Colombiano e as Farc, quando o segundo homem mais importante desta organização,
Raul Reyes foi morto. Esses documentos foram, inicialmente entregues a
Interpol, para garantir sua autenticidade e depois, enviado para Londres, ao
Instituto de Estudos Estratégicos, e revelam o envolvimento do Presidente Hugo
Chaves (Venezuela) e Rafael Correa (Colômbia), com as guerrilhas, acordos que
passam por treinamento paramilitar para militantes chavistas, armas e dinheiro
utilizado para custear campanhas politicas, como a de Rafael Correa, por
exemplo, conforme citado nos documentários. Falam de uma quantia de quatrocentos
mil dólares doados pela as Farc e utilizados na campanha eleitoral de Correa.
Apesar das negativas de ambos os lideres tais envolvimentos e tornam evidentes,
segundo as analises documentais realizadas pelo IEE, de Londres. Ainda que
houvesse alguma relutância por parte de Hugo Chaves, a fraqueza e a debilidade
desses governos, sugere a precaução diante da possibilidade de uma investida
mais agressiva do EUA.
Um
dos meios de subsistência dos exércitos guerrilheiros, é o cultivo de alimentos
pelas próprias tropas, caracterizando suas origens agrarias. Cultivam milho,
cacau, café e outros produtos, que servem de alimento nos acampamentos montados
em plena floresta Colombiana. Agricultores armados, que afirmam não cultivar a
folha da coca e nem a marijuana, apenas alimentos; acusam os Estados Unidos e
seu imperialismo tecnológico de tramar estratégias contra o movimento
guerrilheiro, o qual se estabelece sobre os princípios da solidariedade, entre
seus membros, que lutam por uma causa legítima.
Defesa,
resistência e contra ataque, estas são as fases de um movimento guerrilheiro
que se mantem na ativa, já há muito tempo. Não é a tática de guerrilha
que caracteriza uma guerra como revolucionária. A guerrilha é sempre marcada por
sua definição politica (SAINT-PIERRE, p.173). A guerrilha é uma
resposta à violência direcionada ao povo, pelo Estado. Lutam pelo socialismo,
contra o império capitalista (EUA), pela liberdade e um mundo onde não haja a necessidade
de organizações paramilitares. Essa é a tônica do discurso. Os documentários
expõem as diversas faces dos movimentos de esquerda desde o fim do século XIX,
quando surgem na América Latina, e atravessam todo o século na ilegalidade. Em
sua configuração inicial, buscam o socialismo, e os movimentos se articulam
para promoverem as reformas e chegar ao poder. As terríveis desigualdades
sociais latino-americanas, provocadas pelo processo capitalista, agravaram-se
significativamente aos longo dos anos, e esse foi um dos fatores importantes
para a popularização e fortalecimento dos movimentos sociais.
A
proposta desses movimentos é a representação popular, no sentido de uma luta
pela igualdade e liberdade, mas verificamos que as lideranças esquerdistas que
ascendem ao poder no século XX, perdem suas características e moldam-se as
conjunturas politicas, atuando muitas vezes de forma conservadora, e até mesmo,
de direita. O historiador Marco Antônio Villa afirma que o socialismo não
existe mais, ao menos do modo como foi concebido. Tece um comentário sobre o
governos do PT, referindo-se a uma “comédia” do tipo pastelão, e ao governo
chavista venezuelano, denunciando o nepotismo e o favorecimento de interesses
pessoais, e ao mesmo tempo, as migalhas que são jogadas aos pobres, reforçadas
pelo discurso populista de Hugo Chaves. Aponta que tanto Chaves, quanto Rafael
Correa, da Colômbia são perseguidores da imprensa e de postura conservadora,
caracterizando uma dominação elitista. Emir Sader, critico, comenta que a
teoria marxista deve ser aplicada no sentido de interpretar os acontecimentos
atuais, pois um socialismo marxista não mais é possível que ocorra, ao menos
nos moldes em que se estabeleceu inicialmente.
Os
atores envolvidos nos movimentos de esquerda, tem sua fala carregada de elementos
ideológicos, e a própria realidade em que vive o povo, legitima tais discursos.
Segundo Florestan Fernandes, citando a Revolução Cubana, da guerrilha nasceu o
homem político, do guerrilheiro nasceu o político, para Saint-Pierre, é o
conteúdo político da ação que caracteriza a guerrilha e o guerrilheiro
(SAINT-PIERRE, p.182).
As guerrilhas organizadas na América latina
para defender os interesses das comunidades agrarias e indígenas, a certa
altura se desviaram do objetivo inicial e se enfraqueceram nas bases,
envolvendo-se com o governos e também com a questão do narcotráfico, deixando o
povo desamparado, e também se perdendo da meta de transformação social. Ainda assim, alguns lideres dizem acreditar na
legitimidade de representação popular pelas guerrilhas.
Os
conflitos internos nos países latinos, surgiram após acontecimentos
internacionais que afetaram a economia dos diversos países. O México se tornou
refém do estado norte-americano, preso a uma divida impagável , que compromete
seriamente o desenvolvimento econômico do país, aprofundando as desigualdades
sociais.
Ocorrências desse tipo, ou outras em que a
sociedade se vê desamparada, está pronto o fermento ideológico de um movimento
social. Nesses momentos emergem as figuras dos lideres, cultuadas pelo povo.
Uma especificidade no caso do populista Hugo Chaves, que se declara democrático,
atua como autoritário e tem o apoio popular. Marco Antônio Villa, em
documentário sobre as esquerdas na atualidade, fala sobre doze processos
eleitorais citado por o partido chavista venceu 11, o que evidencia a
concretização de um desejo do povo.
Outro
fator importante que influenciou os movimentos de esquerda latino-americanos,
foi colapso de socialismo, com a queda do Muro de Berlim. Com isso, o
referencial revolucionário também desapareceu. Foram caracterizado dois modelos
de socialismo, o cubano e o soviético que enfraquece após a queda, e Cuba que,
mesmo com suas grandes conquistas educacionais, a erradicação da pobreza e os
investimentos em saúde, fez parte de um modelo adotado a mais de cinquenta
anos, e “tornou-se rapidamente obsoleta" (CASTANEDA, 1994, p.208)
A
esquerda se fragmentou e assim está atualmente, com pequenos grupos que se
formam e se articulam em torno de tantas demandas. No entanto, dois movimentos que
se formaram no século XX, ainda estão na ativa. Trata-se das FARC (Forças
Armadas Revolucionarias da Colômbia), e o EZLN (Exercito Zapatista de
Libertação Nacional, 1983- México).
Em
1948 o representante/líder do Partido Liberal, que era candidato a eleições,
Jorge Gaitan, foi assassinado. Esse fato coincidiu com o vencimento do Partido
Conservador. Líder muito popular na Colômbia, a morte de Gaitan torna-se a justificativa
para a relação violenta que se estabelece entre os dois partidos. De 1948 a 1953,
a resistência armada, os conflitos, a guerra civil entre conservadores e
liberais, nesse período, mataram aproximadamente 150.000 pessoas. Período de
governo que decretou estado de sítio, ditatorial, autoritário e ao mesmo tempo
período de ocorrência da resistência armada e início da organização da
guerrilha.
Em
1953 até 1958, a Colômbia é governada por regime militar – golpe com anuência
do partido conservador. Passa a governar, Rojas Pinilha. O SIC – Serviço de
Inteligência Colombiana se instalou nesse período e perseguia os partidos de
esquerda que começavam a aparecer.
O
Estado ajuda a criar organizações paramilitares (membros do Partido Liberal),
permitindo, inclusive, o porte de armas. Formam-se dois movimentos
guerrilheiros: FARC-EO (1964) e ENL (início dos anos 60).
Em
1958, militares no comando do país firmam um acordo com os dois partidos,
propondo que haja 50% dos deputados e senadores para cada partido e o poder
executivo de forma alternada entre esses dois partidos. Cria a Frente Nacional
para atacar as guerrilhas que tentavam insuflar as comunidades nas cidades, e
com isso joga a guerrilha para fora da participação política.
Afonso
Cano, líder das Farc, assassinado em 2011, criticou a ideia de democracia e
mostra como esse discurso é ineficaz. Afirma que as elites que se revezam no
poder nada têm a ver com o povo, não havendo possibilidades de negociação. As
propostas de paz do governo ficam no discurso. Lembrou também que outros
movimentos desistiram da luta armada, mas nem assim obtiveram sucesso nas
negociações. A guerrilha é autêntica, é a luta do povo.
Historicamente,
as Farc foi uma guerrilha que objetivava tomar o poder; de via leninista,
marxista, sua a luta se privatizou em 1958. Hoje, descaracterizada ainda se intitula
guerrilha, e o governo desconstrói sua imagem, ao associá-las ao terrorismo,
narcotráfico e banditismo. A guerrilha passa a ser uma via de sobrevivência
para boa parte da população, aquela que está fora do poder político, e que conhece
a realidade da comunidade e suas necessidades, pois vivenciam na própria pele.
As
FARC hoje são armadas belicamente, tem treinamento rígido, com uniforme,
bandeira, de forma muito próxima do exercito regular. Não ambiciona mais tomar
o poder; realiza ações pontuais, estratégicas, específicas para conseguir
alguma barganha. Hoje é meio de vida, pois não há objetivo.
O EZLN (Exército Zapatista de
Libertação Nacional), passou por diversas transformações estruturais, teóricas
e praticas desde o seu surgimento em 1 de janeiro1994, quando veio a público no
estado mexicano de Chiapas, quando desestabilizam o sistema politico mexicano
com seus questionamentos relativos à modernidade e suas novas propostas de
fazer politica. Apresentam uma nova forma de organização, revelando diversas
especificidades, principalmente intelectual e questionadora , diferenciando-se
dos demais movimentos de esquerda latino-americanos.
O
Zapatismo em seu discurso, faz uma profunda critica social, de caráter
identitário e lança novos conceitos sobre as ações coletivas. Segundo artigo de
Alexander Maximilian H. Filho, o EZLN
apresenta características peculiares, e não comuns a outros movimentos, como
sua capacidade de autocritica, apontando para uma nova fase de protesto social,
processo iniciado na segunda metade dos anos 90, na América.
O contexto social mexicano, propicia a exclusão, os
indígenas são tidos como inferiores; hoje se reconhece e se exalta a diversidade,
porem num contexto capitalista, que olha apenas para a questão cultural,
minimizando ou ignorando as diferenças, sufocando o potencial de conflito,
forçando a assimilação do capitalismo e gerando intimas dependências com o
consumismo; Desse modo a diversidade é aceita, dentro dos limites de tolerância
do capitalismo.
Diante desses e de outros fatos, compreendemos o sentido
de uma das grandes reinvindicações do movimento zapatista, no que concerne ao
reconhecimento da dignidade indígena. A resistência do zapatismo se deve a
identificação com os interesses e aspirações dos explorados e oprimidos pelo
capitalismo, hoje criticado pelos próprios indígenas.
Nos países latino-americanos, os movimentos de
esquerda assumem novas posturas politicas, diante das novas (velhas) lutas.
Ainda hoje o braço mais forte da esquerda encontra-se no campo, fortalecido
pelas contradições capitalistas. Conflitos rurais e urbanos são uma resposta
popular à crise econômica urbana, desemprego e, consequentemente,
aprofundamentos das desigualdades sociais. Os movimentos na atualidade
concentram-se nas questões agrarias, no caso do Brasil, o MST (Movimento
Sem-Terra), tem comandado invasões e enfrentamentos entre agricultores e
latifundiários, sendo a violência um aspecto muito presente na realidade dos
integrantes do movimento. Também na Colômbia e no México, as manifestações da
esquerda centram-se no campo. Em El-Salvador, acordos de paz não trouxeram
beneficio algum aos camponeses. O eixo das lutas na Bolívia, Uruguai e Equador
também estão no campo. Na Argentina, os conflitos são urbanos, organizados por
sindicatos tradicionais, por meio de greves. Outras expressões de oposição nas
cidades encontram-se no Brasil e Uruguai, em pequena escala, no Chile, na
Venezuela, onde recentemente em Caracas e outras regiões ocorreram
manifestações violentas.
Constatamos a tênue separação entre governos, esquerdas,
guerrilhas, banditismo, e etc. Essas realidades perpassam-se na cena
latino-americana, e toda analise se torna complexa, considerando a diversidade
social e cultural da sociedade. Um tema rico em seus simbolismos históricos,
que interpretados trazem a luz questões de relevância na atualidade, com a
violência destacando-se na pauta do dia.
A História cabe a interpretação desses símbolos, a
analise critica e cientifica dos acontecimentos, buscando a possibilidade de
compreender tais processos, para entender os aspectos do passado que
estruturaram o presente, e quais as alternativas para um futuro ainda de todo,
incerto.
BIBLIOGRAFIA:
HILSENBECK
Filho, Alexander Maximilian. Por um mundo
onde caibam muitos mundos: O zapatismo e as não-fronteiras da resistência e da
esperança; Revista Lutas Sociais
n. 19-20, PUC-SP, 2008.
BRAUN,
Herbert. Honra, amnésia e reconciliação na Colômbia. In:
AGGIO, Alberto; LAHUERTA, Milton (orgs.). Pensar
o século XX: problemas políticos e história nacional na América Latina.
São Paulo: Editora UNESP, 2003.
CASTANEDA,
Jorge. Utopia desarmada. Cap. 8, La
Guerre Est Fine; São Paulo: Cia das Letras, 1994
SAINT-PIERRE, H. L. A política armada fundamentos da guerra revolucionária. São
Paulo: Editora UNESP, 2000.
DOCUMENTÁRIOS:
Esquerdas na Atualidade:
Colômbia:
Afonso Cano:
Guerrilha-
FARC- Envolvimento Venezuela e Equador:
Trabalho apresentado à disciplina de Temátcias Especiais América latina século XX
Prof Ana Rosa Cloclet - Sexto Perído do Curso de História - Dezembro de 2012
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