“Época triste a nossa… mais fácil quebrar um átomo do que o preconceito.”
Albert Einstein.
Albert Einstein.
Introdução
O objetivo deste trabalho é falar sobre o autor Paulo Prado e sua interpretação da formação nacional do estado brasileiro, a miscigenação e suas consequências, partir de três pilares: cultura, meio e raça.
Retrato do Brasil – Ensaio sobre a tristeza brasileira- é um clássico da nossa cultura e trata-se de uma brilhante e polêmica interpretação do caráter nacional. Publicada em 1928, a obra busca entender e explicar o atraso econômico e cultural da Nação, através do processo de formação étnico-cultural da nacionalidade e os vícios crônicos da política naquele momento.
O livro é dividido pelo autor em quatro capítulos: A Luxúria, A Cobiça, A Tristeza, o Romantismo e um Post- Scriptum, e trata-se de uma obra contestadora das falácias românticas, que dava ao Brasil “uma figuração quase épica” (Lourenço Mota). Afirma em sua tese que os principais fomentadores da melancolia, da degeneração do caráter e do atraso sócio-cultural do Brasil, foram a luxúria e a cobiça desmedidas nos tempos coloniais, situação mascarada pelo romantismo no século XIX.
No primeiro capítulo dedicado a Luxúria encontramos, entre outros, os seguintes dizeres:
” ...Paraíso ou realidade, nele se soltara, exaltado pela ardência do clima, o sensualismo dos aventureiros. Ai vinha esgotar a exuberância da mocidade força, para satisfazer os apetites de homens a quem já incomodava e repelia a sociedade européia”
Os colonizadores que vieram à nova terra, já conheciam outras culturas, eram "miscigenados moralmente". E a decadência moral era um fato. Paulo Prado faz uma comparação à colonização da América do Norte exortando a disciplina e a disposição dos peregrinos para o trabalho, donos de uma vontade inquebrantável e fortes princípios morais e religiosos. Os portugueses também traziam em sua alma a tradição do cristianismo decadente da Europa e tinham também assimilado outros costumes totalmente diversos, e isso talvez explique o comportamento de barbárie em relação ao do selvagem que aqui vivia. Homens rejeitados em sua pátria e por este motivo, sem nada a perder, lançavam-se nas aventuras em busca da liberdade e da riqueza, para retornar á sua terra e usufruir de uma felicidade, das benesses e do respeito que o poder do ouro lhes daria; vinham de uma Europa tumultuada pela Renascença e suas reformas, castigada por guerras, revoluções e invasões por conquista de territórios.
A imagem retratada pelos primeiros europeus que aqui chegaram, era a de extrema beleza, abundante riqueza e de um povo naturalmente gentil e sensual. A visão que estes homens tiveram com sua a chegada ao Novo Mundo, foi descrita por Cristovão Colombo nas primeiras cartas endereçadas ao rei, como um paraíso edênico, de onde o homem havia sido expulso e eles agora retornavam, devido à providência. O autor se refere ao descobrimento como resultado de um movimento libertador que dotou esses aventureiros de um espírito cruzadista, de novas ambições e curiosidades sobre os mistérios de regiões ainda desconhecidas e passíveis de serem conquistadas. O clima quente e a beleza luxuriosa da mata virgem despertaram naqueles homens os mais primitivos dos instintos e ao entrarem em contato com nativos que viviam livremente, rapidamente assimilaram alguns de seus costumes e, num culto ao corpo, deram vazão a todos os prazeres dos sentidos, alguns reprimidos e vigiados em sua pátria natal. Os nativos eram livres, esses homens libertinos.
A falta de mulheres brancas, a presença de mulheres indígenas e africanas, uma conduta sexual desregrada, o clima e a terra, contribuíram para que aqueles colonos primitivos se entregassem a todos os vícios e crimes, com uma espantosa imoralidade que excedia a todos os limites, segundo os próprios contemporâneos. Desenha-se o cenário onde surgiriam as primitivas populações mestiças, a partir de “relações de pura animalidade” (pg. 31).
Outra paixão dominava aqueles homens: a Cobiça, outro elemento determinante segundo o autor, que marcou profunda e psicologicamente o caráter do brasileiro, que assim descreve o colonizador:
“Corsários, flibusteiros, caçulas das antigas famílias nobres, jogadores arruinados, padres revoltados ou remissos, vagabundos dos portos do Mediterrâneo, anarquistas, em suma, na expressão moderna, e insubmissos às peias sociais- toda a escuma turva das velhas civilizações. Foi deles o Novo Mundo”.
Ao chegar ao novo território, com o imaginário repleto das histórias de Marco Pólo e Mandeville, acerca dos paraísos perdidos, das ilhas ouro e de prata, das montanhas reluzentes repletas de pedras preciosas, entregam-se deslumbrados a novas descobertas. Após se servirem dos “donos da terra” de todas as maneiras possíveis, exterminaram aldeias inteiras, com sua insaciável fome de ouro. E não mediam esforços para fazer fortuna rapidamente, possibilidade que fascinava e renovava o animo a cada dia de prosseguir em sua busca.
Mas as minas só foram encontradas, de fato, no final do século XVI, quando recomeçou a febre do ouro. Desta vez, as fortunas surgiam repentinamente, porém o país empobrecia. O cultivo da terra foi abandonado, tal ansiedade pela descoberta do metal, ninguém mais trabalhava esperando pela loteria das minas, com exceção do negro que de fato, era o único que trabalhava. As pessoas morriam de fome, ao lado de montes de ouro; o comércio do açúcar foi comprometido devido à diminuição do plantio da cana, causando uma crise de mercado nos países que importavam o açúcar brasileiro, para citar apenas alguns dos diversos problemas da colônia. E, o pior de tudo, o país se despovoava.
Portugal definitivamente, não sabia governar, e entregou nas mãos da Inglaterra e de outros países da Europa praticamente toda fortuna que conquistou, pagando um alto preço pelo luxo que a Metrópole e seus parasitas insistiam em ostentar. Os bandeirantes, alucinados e enfraquecidos, segundo o autor, se multiplicavam e morriam, junto com suas bandeiras; as minas funcionavam ininterruptamente, esgotando o meio ambiente. Os trabalhadores, também esgotados, cumpriam sua parte, mas os governantes não exerciam sua função de bem administrar tais riquezas. Dependiam do trabalho dos governados, mas se recusavam a governar de fato. Uma fórmula infalível de miséria.
O autor, em sua tese, afirma que a junção desses dois terríveis vícios, a luxúria e a cobiça, legou ao povo do Brasil a Tristeza. Neste capitulo, discorrerá mais uma vez sobre a imoralidade do clero e da sociedade convivendo intimamente com mouros e negros.
”Numa terra radiosa vive um povo triste.
Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que
a revelaram ao mundo e a povoaram”.
Compara a América do Norte, colonizada por peregrinos que viviam na disciplina rígida do cristianismo protestante e sua “higiene moral” e que lavravam a terra com suas próprias mãos, com o Brasil, uma nação sem força de reação, colonizada por mercenários imorais e corruptos, como afirmou Pe. Vieira: “... furtar era um verbo conjugado em todos os tempos na Índia portuguesa”. A isso, junta-se o problema da mestiçagem, com o agravante da exploração do trabalho escravo, que legou ao país um atraso econômico, uma gente sem princípios, indolente, ignorante e gananciosa. Para o autor, a discrepância de valores morais e éticos entre essas nações foi determinante na prosperidade da primeira e, naturalmente, na ruína da segunda.
Atribui aos excessos físicos e à ausência de atividade mental o desenvolvimento de um comportamento melancólico e doentio, que sucedeu à vida promiscua do colono e que seria hereditário ao povo dessa descendência, gerando um país que cresceria como um corpo mal nutrido de virtudes, doente e desorganizado, sendo mal administrado e portanto, cheio de deficiências que o inferiorizaria diante de outros países. Prado faz uma dura critica a história do país que começa a ser escrita de forma lírica, característica do romantismo que "adora sua própria dor".
O Renascimento havia dado o impulso aqueles homens que se aventuravam pelos mares em busca de um Novo Mundo e isto seria entendido de forma diversa pelas diversas classes de pessoas daquele tempo, neste caso significou conduta desenfreada e nenhum amor à terra. O Brasil foi colonizado por esse homem, sua cultura transplantada em uma terra definitivamente diferente da velha Metrópole, e por este motivo não teria atingido o resultado esperado. Aponta também a falta de originalidade do povo que imitava tudo o que vinha de fora, como se isto os tornassem iguais a nobreza ostentada pela Coroa falida. Mas o mal já estava feito, talvez impossível de remediar, senão com o tempo. E diz: “A luxúria, a cobiça, tristeza e o romantismo, combinando-se de mil maneiras, haviam se incorporado ao modo de ser do brasileiro”.
São Paulo, desde sua fundação, era diferenciado pelo povo que ali vivia, foi o primeiro a esboçar um sinal de um patriotismo regional, lugar onde o centro cultural se formou. A mistura dos europeus com a nobreza natural do gentio, fez surgir uma raça forte, rude e valente, coisa que a história nos revela ao falar da superioridade dos paulistas e suas interferências heróicas em diversas ocasiões. Isso se devia a miscigenação de duas culturas onde uma complementava a outra, na visão do autor. A hospitalidade e generosidade indígena aliada à coragem e espírito aventureiro do branco foram qualidades decisivas nas entradas e bandeiras. Diferentemente de outras, onde o cruzamento com africanos teria "contaminado" a descendência, pois ele era escravo, e perdendo além da posse de seu corpo a posse também de sua alma. Isto resultou numa fraqueza, de onde surgiu sua miséria moral e a ilusória superioridade de senhor de escravos. Os negros não eram donos de si, nem mesmo de seus filhos, quanto mais de outros bens. De acordo com a observação cientificista, baseada na raça e história, Paulo Prado conclui que, após conviver com desprezo da dignidade humana dos senhores, numa relação imoral e inculta, sobrepondo à força uma cultura e uma religião tão diferentes das que conheciam, o senhor pensava poder apagar completamente a cultura africana que chegou a nossa terra nos negreiros, cultura que se julgava perdida pelo desleixo dos costumes, sua resignação ao chicote, e todas as arbitrariedades protegidas por lei. Isto marcou a mentalidade daqueles desterrados, que nunca mais voltariam a ver sua pátria. A inferioridade marcada às vezes no rosto a ferro quente, concluía a destruição psicológica. O africano não passava de uma mercadoria, valiosa até, mas uma mercadoria. Questiona os problemas que virão no futuro a partir dessa mestiçagem com brancos e índios, e a transformação biológica que, a seu ver, teria consequências desastrosas. Baseava-se num critério cientifico do século XVI, quando naturistas teriam catalogado diversas doenças surgidas a partir da mistura étnica. Havia também a possibilidade de, com a mistura das raças, os traços negros desaparecerem. Era o que Paulo Prado esperava.
No Post-Scriptum, texto agregado ao Retrato, diz que, inspirados pela Revolução Americana na luta contra os invasores e a expansão geográfica através das bandeiras e do gado, que algo parecido com um sentimento nacionalista, percepção de territórios e fronteiras, parece despertar. No final do século XVIII e no inicio do XIX havia apenas a sociedade, formada por diversos grupos étnicos, preparando-se para se tornar Nação livre e cortar de vez o elo com Portugal. Separar-se-ia da pátria-mãe o filho adotivo explorado e rejeitado, que pouco a pouco tomava consciência de seu tamanho, de sua força e, principalmente, da necessidade de sua emancipação política. O Estado sucedeu a Nação.
Conclusão
Diante de todas essas observações, Paulo Prado um modernista inconformado com os rumos do Brasil, expõe sua tese com uma franqueza admirável, sem se preocupar com a fama de pessimista que viria após as declarações contundentes no Retrato. Um detalhe nos chama a atenção. No momento em que Paulo Prado produziu esta obra, o Brasil passava por uma crise na produção de café:
"A famosa crise do café que faz parte da história de tantas famílias paulistas que sofreram suas duras consequências, começa na realidade em 1920, devido ao continuo, descontrolado e excessivo aumento da produção do café, cuja safra chegava a espantosos 21 milhões de sacas para um consumo mundial de 22 milhões".( Histórianet -Crise de 1929 e Revolução de 1930; Anibal de Almeida Fernandes, Agosto, 2006).
A atmosfera daquele tempo comportava uma insatisfação em vários setores da sociedade paulista. Uma crise maior se anunciava por todo o território, e o autor não se omitiu diante desse fato. Preveniu aquela sociedade em relação a uma possível guerra ou a revolução, tamanho era o clima de tensão. Sua família tinha seu patrimônio e sua tradição ameaçados pela possível fragmentação do país. Temia que o "mal" do romantismo, que segundo afirma deformava e deturpava a realidade, e essa atitude "conformista" que se espalhara entre os brasileiros, levasse o projeto de construção nacional à ruína. Analisou criticamente os problemas nacionais, originários de uma matriz anacrônica instalada no país, e alertava seus contemporâneos sobre a necessidade de cortar sumariamente os laços com a época colonial, e assumir uma postura administrativa política eficiente para sanar os problemas nacionais. Prado revelou em seu Retrato do Brasil, além do perfil de um povo brasileiro que ele julga triste, o também triste perfil da elite aristocrática de sua época, que parecia viver num mundo separado. Percebemos essa distancia quando se refere ao povo brasileiro e suas mazelas, como se falasse de um outro, excluindo sua estirpe da mesma nacionalidade. Sentiam-se também "desterrados" em sua própria terra?A xenofobia presente em seu discurso, ao longo do livro, trazia sutilmente um outro embrião, que gestaria o sentido que hoje conhecemos como o conceito de Racismo.
O livro foi intensamente criticado, pois ao escrever para a elite aristocrática de sua época, tocou fundo, sobretudo no espírito soberbo daquela classe, desmistificando as maravilhas que as obras românticas declaravam sobre o Brasil, buscando criar uma aura de perfeição e beleza, da qual se falava desde a chegada dos portugueses em nossa terra, ignorando a realidade de desigualdade e dos vários níveis de miséria herdadas do tempo colonial. Retrato do Brasil, obra destinada principalmente a replicar explicitamente a Afonso Celso, autor do livro “Porque me ufano de meu país”, e a todo “orgulho” nacional corrente na literatura brasileira, na agitação de 1928, as vésperas da queda da Velha República. Ele se preocupava com o futuro do Brasil e se comprometia a fazer de tudo para despertar aquele povo que dormia o sono colonial.
Percebemos a relevante importância do ofício de historiador ao registrar a história e povoar o imaginário de um povo com as memórias de uma Nação, invocando dessa forma um espírito nacionalista.
O Autor
Paulo Silva Prado, paulista nascido em 1869, primeiro filho do conselheiro Antonio Prado, formou-se em 1889 na Faculdade de Direito de São Paulo. Sua família tinha a tradição dos cafeicultores paulistas, e representou São Paulo no Comitê de Valorização do Café (1913-1916). Tinha quase sessenta anos quando entrou para carreira literária. Historiador, sociólogo e escritor, líder da cafeicultura paulista e participante ativo da intensa atividade cultural daquela época, foi o mecenas de vários autores e principal organizador da Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, que muito contribuiu para a renovação historiográfica brasileira, sendo considerado um dos maiores analistas da vida social no Brasil durante o período pré-revolucionário entre 1900 e 1920.
Referencias Bibliográficas :
PRADO, Paulo- Retrato do Brasil- Ensaio Sobre a Tristeza Brasileira- 2ª Ed. – São Paulo: OBRASA; Brasília: INL, 1981
MOTA, Lourenço Dantas; organizador – Introdução ao Brasil – Um Banquete no Trópico – 2ª Ed. – São Paulo: Ed. SENAC São Paulo, 1999- (vários autores)
BERRIE,L Carlos Eduardo Ornelas; Tietê, Tejo, Sena: A Obra de Paulo Prado. Campinas: Editora Papirus, 2000, 248 páginas.
FERNANDES, Anibal de Almeida; Crise de 1929 e Revolução de 1930 - Histórianet , Agosto, 2006
Bem realista a obra..
ResponderExcluir